Quatro poemas de Felipe Nascimento
Felipe Nascimento (2000) nasceu em Santos e atualmente reside em Praia Grande/SP. Sobrinho do poeta popular Alfredo Vieira dos Santos, é estudante de Letras no Instituto Federal de São Paulo e autor do livro “O lado sensacional da vida é o meu ou o livro dos mortos” (Patuá, 2019), vencedor do Prêmio Maria Firmina de Poesia em 2021. É colunista da Afropress desde 2020.
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João Gilberto,
Minotauro da delicadeza,
Foi assassinado pelo tempo
Ipanema
Residência dos meus pensamentos
eu e minha mulher pedindo refrigerantes
Idílio
Agora é mar e cidade.
A voz de João agora
É vento vindo do mar
Coisas que segredamos
Na areia.
Supera Circe com seu violão
Mágico da desilusão
Triste trópicos em unhas brilhantes.
João harmoniza o país das dissonâncias.
*
Adeus Maiakóvski
adeus, Maiakóvski
adeus, camaradas
o século se escreve em sangue
o amor em líquido cefalorraquidiano
o tempo punge em lágrimas
os meus amigos se escondem atrás de postes
e uma tempestade pode derrubá-los
estão sozinhos
uma mão pende no ar
e uma memória de um pai, uma mãe
prende-os a vida
adeus nação utópica
adeus século movente
tuas marias-fumaças
transparentes derrubam minha nobreza
ultrapassam o país.
adeus, acenda o cigarro
queime o papel
hasteie a bandeira rubra do sonho
eu só sou alguém sozinho
só eu e a fúria das palavras.
*
Apolo desce aos shoppings
A perfeição é um delírio febril
Que vem das lâmpadas dos ônibus,
Dos celulares.
Nossos narcisos brotam de shoppings.
Contas,carnês
A perfeição é filha da humanidade.
Apolo fez plástica no nariz,
Rendeu-se à nova religião dos homens.
Afrodite é uma atriz pornô solo.
Nosso amor está distante,
Embriagado, na sarjeta.
Abraçou-se com a morte das plantas
Estou sozinho, torto, errado,
E o caminho permanece mesmo,
Entre lojas de roupas, sonhos em formas de carros
E objetos.
*
Havia jabuticabas no chão da firma.
Pisar jabuticabas é como pisar em olhos
E a cada vez que eu andava, ia cegando a cidade.
A cada vez que eu andava, sentia culpa e angústia.
Mas era preciso guardá-las para mim;
Homens apenas trabalham trabalham trabalham.
Homens da minha classe não podem sentir a delicadeza.
Perceber no tato os próprios dedos.
Os homens estão condenados à pinga, à cachaça.
E a bater nas mulheres em casa.
Os homens estão condenados à burrice de outros homens,
Estão condenados a gritos.
É tentando-se ser corajoso que se é covarde
(Matou a mãe de três filhos).
Tentando manter a honra
(Matou a filha e o namorado).
A liberdade é uma palavra que só existe nas faculdades de economia.