Quatro poemas de Fernanda Assef
Fernanda Assef. “Escritora Fernanda Assef. Era assim que eu assinava tudo quando criança aprendi a escrever. Depois fui brincando de ser outras. Tornei-me acima de tudo atriz, e palhaça, para apreender a ser no mundo. Na formação e na ação, para além dos palcos, atuo como produtora cultural, jornalista – com experiência de anos como repórter e assessora de imprensa sempre na área de artes -, educadora, professora, escritora e poeta.
Publiquei meu primeiro livro de poesias Só o mar silencia meu caos pela Editora Penalux em 2021. Trabalho atualmente no meu primeiro romance (personagens que vieram da sala de ensaio e do meu corpo para o mundo da literatura). E na publicação em 2024 de uma nova obra eu-luto, que trará 13 poemas inéditos junto à minha primeira dramaturgia Des-pedaço, performance que estreio também em 2024.”
***
A mágica de ser inadequada
Cada talvez, todo não
que a mulher-árvore invade vai
semeando letras espaços
folhas memórias amassos
no meio da cidade
de cimento e som.
Arde
o chão,
o traço.
Rompe asfaltos,
frágil papel.
Enlaça fios
penetra céus.
Entranha rios
desfaz os fatos.
Um escarcéu
de mato
vadio.
Lixo fumaça desdenha
escreve ninhos,
na desnatureza
zunir de asa desenha.
Cheiro carinho
pulsam na fortaleza.
Com delicadeza
descaminhos
emprenha.
*
Das coisas que só compreendemos no silêncio
A expressão
não dá conta
Linguagem não é exata.
Ainda que
precisão
pesponta,
excede ou falta.
Algo se adiciona,
algo subtrai.
Escapa.
Sempre.
Como o outro
que escuta.
Labuta
louca
o exprimir
impermanecências
em palavras
vírgulas
pontos
reticências.
Ouvido
lê e engole.
Palavra
a desnudar
sentido.
Olvido.
Engana.
Envolve.
Desenvolve.
Apenas toca
essência.
Pena, boca
em reminiscências.
Pós-coito.
O que se fala
resvala
afoito
no que se cala
*
Amor passageiro
Levanta-te homem!
Que eu não vou ajoelhar.
Melhora ou deixa-me ir.
Não terás aqui a tal mulher
feita só para amar,
sofrer e perdoar.
Sei bem o que quer,
pareces criança.
(E como me cansas).
Não vim te servir,
nem te castigar.
Confundes em tua dor
humilhação e amor.
E deste mal não padeço.
E com clareza afirmo:
nunca desejei te arrastar.
Não há nisso glória.
Tua grosseria óbvia
te deixa tão pequenininho
que sincera te agradeço.
Não me amastes, confirmo.
Nem por um dia, nem por fantasia.
Jamais saíste de ti mesmo.
Só não tentes resolver teu
perceber-te a esmo
buscando em mim outra algoz.
Afinal julgas me ofender
ao proclamar feroz:
para que pudesses me amar,
outra eu deveria ser
Percebes tua estupidez?
Fostes deveras mesquinho.
Te deixar foi sorte! Não azar.
E, por fim, me chamas de fria.
Meu caro, além de inverdade,
que falta de criatividade!
Não finjas indiferença!
As uvas não são verdes
e tu raposa bem sabes.
Mais fácil apegar-se a crença
que por fim assumir-se no breu.
Mais fácil julgar Capitu,
que o trouxa que a perdeu.
*
Morte
O pior da morte não é
O Fim do Presente.
Mas o assassinato feroz
de todos os devires.
De todos
os futuros possíveis.
Latentes.
Sonhados ou não,
por mim ou por nós.
Um lembrete atroz.
De estarmos
, todos,
no fim,
irremediavelmente
sós.
O nós é sempre
efêmero.
Finito.
Eu-solidão.
“…resta o nó na garganta.
Nó singular de nós.”
.
“Sólida solidão
Paraliso ávida
diante da Vida
a dizer:
Não. Não. Não.”
Assim que, sua morte mata
não apenas a gente.
Mas tudo
o que viríamos a ser.
O que poderíamos.
E sei…
O mais precioso da vida são eles os devires.
Ao terminar,
se retirar da minha vida.
Pois só existe de real esta
a minha vida.
Única que tenho.
Diminuta.
Fugaz.
Efêmera.
É sempre a partir dela que percebo Ela.
À Vida.
Substantivo maior.
Nome próprio.
Horizonte Inalcançável.
Assim que, sua morte
mata não apenas a gente.
Mas tudo
o que viríamos a ser.
O que poderíamos.
Doeu é claro.
Primeiro sua ausência-carne.
Calor.
Tessitura.
Cheiro.
Sorriso.
Encaixe.
A cada dia.
O vazio que deixaste.
É físico.
E mais distante.
Mas doeu mais
todos os futuros possíveis.
Aqueles silenciosamente semeados
apenas pela sua existência
sem qualquer esforço
além(, não de ser,
mas) de estar
ali.
Aqui.
Nos agoras.
To be.
Or.
Not to be.
Em inglês ser e estar
é, absurdamente,
a mesma coisa.
Pouco importam os avisos.
A morte é sempre repentina.
São Eles,
os Devires assassinados
que tecem meu luto.
Escrevi certa vez:
“Luto todo dia
para aprender a falta
da sua companhia.”
Ou algo assim.
Eu-luto.
na primeira pessoa
do singular.
Eternamente.
A clamar,
re-clamar,
não apenas o fato,
mas, cruel,
o Ato
lutar.
Escrevi certa vez:
“Luto todo dia
para aprender a falta
da sua companhia.”
Com a morte
restou para mim
apenas seu remendo
Memória.
Des-pedaço.
Essa ilusão
carente.
Idiota.
Á realidade covarde,
uma corajosa mentira.
Infame.
Apenas
uma inocente
inverdade.
Á realidade covarde,
uma corajosa mentira.
Infame.
Apenas
uma inocente
inverdade.
Projeção traidora
de sua existência
passada.
De suas marcas
fantasiadas
pela saudade.
Projeção traidora
de sua existência
passada.
De suas marcas
fantasiadas
pela saudade.
Foi.
Não é.
E pior,
não será.
Nunca
mais.