Quatro poemas de Francisco Mouta Rúbio
Francisco Mouta Rúbio nasceu em Lisboa no ano de 1988 e desde que nasceu vive rodeado por livros. No final da licenciatura em Publicidade na ESCS recebeu um livro que inaugurou uma nova etapa na sua vida, a literatura. A leitura de Jalan Jalan, de Afonso Cruz levou-o a oficinas de escrita e depois a pós-graduar-se em Artes da Escrita pela Nova FCSH, onde teve como professores Rui Zink, Rui Cardoso Martins ou Gonçalo M Tavares. Começou por escrever textos de não-ficção para o P3 do Público, Gerador, Cordão, Repórter Sombra entre outros projectos online. Depois abraçou os caminhos da ficção tendo publicado em revistas literárias como Palavrar e fez parte da antologia de contos pandémicos: O Elefante na Sala. Não vive da literatura, vive para a literatura.
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Niilismo
ele precisava demais
de tudo
menos de
essa palavra simples e líquida
remanescente de vazios
esparsa
por tudo sentir
a ele
faltava-lhe sempre algo
sagrado
que os não-crentes ignoram
desprezar o invísivel: escolha mais óbvia
os outros: crêem ver algo
os milagres, a vida depois da morte,
os corpos celestes, os anjos
ou os pequenos voos sem asa
estes crentes,
na Nossa Senhora das Palavras,
não erguem altares
preferem escrever à mão suas dores
*
Portas abertadas
sinto-me preenchido pelas lembrências
lambo a morte
amontoado em cada frase
num final.
mas nem sei se morri amanhã
fui sabendo de mim
pela página do outro,
mas largo Tolstói
e a morte virá atrás das costas,
num fígado de melancolias violetas
(e a tua ausência preocupa-me)
cego também dos ouvidos
cheiro a vida de olhos profundamente fechados
o amor assobia-me na cabeça,
sou assaltante de momentos verdes
esquecendo morrer
oiço esse som
do tiro inaugural frívolo
a percorrer o osso da cidade,
brota uma extensão mágica
soprada por 30 cabeças
ideias gémeas
cuspindo cascatas de imagens
salpicando episódios mentirosos
e os tolos,
os tolos a bisbilhotar
desconsigo a cada dia
ser esse privilegiado
o louco da aldeia
*
Ode a Francisco de um país já inexistente
todes te escrevem agora, Chico
desentendo porquê
último cancioneiro da Mulher
primeiro machista desavergonhado
cafajeste filho da outra
play it cool, Chico diria Stan Getz
num loop suave repetido até à exaustão
cravas uma festa
desconstróis a língua
balanças entre cordas
trapézio latino-europeu
apesar de você
devia ter começado isto assim
Para Chico Buarque,
*
descolonizar
e se pilhassem o teu terreno?
agora isto não é teu é meu,
expropriassem os teus bens,
violassem a tua mulher, a tua mãe,
os teus filhos viravam mercadoria
traficados para outro continente
ainda falavas no orgulho desse império?
se chegassem ao teu país e te convencessem
agora isto não é teu é meu,
dos outros que o descobriram
dirias que tudo isto é mero problema de contextualização?
que tudo isto são extremismos?
como se paga uma dívida destas?
ou o colonialismo não se paga?
apaga-se
*as palavras inaceitavelmente ácidas não se dizem, escrevem-se.