Quatro poemas de Josafá Souza
Josafá Souza, um jovem negro da geração Z, bahiano, santo-estevense, morando no centro de São Paulo. Poeta & contista, quase filosofo, ora felino, ora humano, ora divino, sempre imaginando as coisas mais improváveis e tornando tudo tão real quanto é possível através de palavras escritas que sempre revelam seus sentimentos, sua luta e sua resistência ao mundo. Profundamente apaixonado por gatos, suculentas e comida boa.
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“pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiose”
meus pulmões estão falhando e doem. havia milhares de micro partículas perigosas no ar e eu inalei todas elas, um abalo sísmico fez o vulcão entrar em erupção, tudo foi destruído e as cinzas do nós cobrem mais terreno do que eu jamais poderia correr para fugir. não há escapatória. meus pulmões estão murchando, eu os escuto e eles estalam e chiam enquanto procuro ar fresco, logo mais não haverá nada para mim e acabarei caindo. as partículas do nós não vão mais entrar, mas cobrirão meu corpo por semanas, meses e anos, até que um dia eu me encontre e perceba que a casca, a forma petrificada que parece me refletir, não sou eu.
*
.documento sem nome
de olhos escuros brilhantes
de sorrisos tímidos singelos
de mãos gentis macias
eu sinto saudade
de sentimentos leves fluidos
de um rosto no espelho
de uma identidade clara
eu sinto saudade
às vezes eu sinto saudades…
saudades de mim.
*
sob a água
lutando contra a água,
sozinho – ainda que cercado –
membros gritando,
pulmões queimando,
desesperada pela superfície,
por que, sem respirar, sob a água,
nós sofremos.
é mais fácil desistir,
sussurram – ainda que gritem –
pedras atiradas,
mentiras descaradas,
um pouco mais afogada,
por que, sem calma, sob a água,
nós morremos.
fugindo da lógica física,
alienado – ainda que atento –
face inexpressiva,
identidade esquecida,
pedra de não-culpas nas costas,
por que, sem pedras, sobre a água,
nós vivemos.
*
três passos de nove
PLIÉ!
a barra é seu apoio apesar de tudo,
os músculos de sua mente gritam,
fortes,
cansados,
cada flexão existe para algo:
dobra-lo,
quebra-lo,
resista e você não estará em frangalhos.
TENDU!
o silêncio se estica e serpenteia,
seu corpo permanece rígido,
fixo,
imóvel,
cada palavra muda sussurra algo
calcanhar,
ponta de dedos,
prepare-se e não se afogue em seus medos.
JETÉ!
dói muito ficar apenas parado esperando,
seus músculos se contraem em expectativa,
agonia,
ansiedade,
a borda do vazio se aproxima
cáustica,
protuberante,
salte sobre a boca desse inferno e ande.