Quatro poemas de José Miguel Navas, com curadoria e tradução de Gladys Mendía
José Miguel Navas, nasceu na Venezuela em 1992. Poeta e licenciado em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo Impresso. Ele publicou os livros de poesia “La Próxima textura” (2014 e 2019), “La Rosa Abstracta” (2015), “Esteban corre” (2017) e “Morriñas” (LP5 Editora, 2022). Seu livro de poesia “Fany” foi publicado no Chile pela LP5 Editora em 2019. Com este livro de poesia, ele ganhou o Prêmio de Poesia “Descubriendo poetas tercera edición” (Cidade de Puerto Ordaz, Venezuela, 2018). E em 2019, ele ganhou o prêmio nacional de poesia Hugo Fernández Oviol.
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I
Eu, transexual sob as correntes do tédio
um órgão
que não me define
mas me liga a um homem
corpo sob o qual escarro outro superior
a mente é corpo,
o real
aspiro seios e outro ser
enquanto sou homem
criança,
macho
macaco
estúpido
Eu, transexual
uma mulher ingênua presa em um homem
quero sair,
quero SER
rezo de joelhos a Deus,
esperando SER
assim, com o sal de suas bocas, me construo,
lenta e pacientemente
como qualquer mulher que espera o momento
da armadilha.
*
II
Sobreviverão aqueles anjos da noite?
provarão eles minha virilha?
serão testemunhas da minha feminilidade?
ou, em vez disso,
terão medo do meu passado?
*
III
Nós, mulheres com pênis,
amamos silenciadas pela sociedade,
vítimas da política internacional,
prostituímos tantas coisas,
algumas a si mesmas,
outras aos outros,
a ambição fica aquém,
não existimos,
sofremos desde crianças
ou melhor, desde meninas –
esperamos por um príncipe que nos salve,
um que ame as mulheres com pênis.
*
IV
Eles me silenciam,
penetram em meu ser,
eles me tornam parte do sistema,
mas um dia abandonei o que fui,
UM HOMEM,
fui subversiva,
caí no mundo
como qualquer outra mulher,
ELES
me acusaram de soropositiva,
doente sem doença,
avancei
como vocês, mulheres.
sim
como vocês,
fui enganada tantas vezes
que apenas uma grande metáfora me salvou,
me tornei poema,
aí começava minha verdadeira liberdade.
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* Gladys Mendía (Venezuela, 1975) é escritora e editora. Tradutora do português para o castelhano, contando entre seus trabalhos de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada “A catedral da desordem” (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017) e participou do Workshop de Criação Poética com Raúl Zurita (2006). Publicou em diversas revistas literárias, assim como em antologias, sendo a mais recente “Temporary Archives, Poems by women of Latin America”, ed. Juana Adcock e Jèssica Pujol Duran, ARC Publications, 2022, Reino Unido.
Seus livros são: “O tempo é a ferida que goteja” (2009); “O álcool dos estados intermediários” (2009); “A silenciosa desesperação do sonho” (2010); “A grita. Reescrita de As Moradas, de Teresa de Ávila” (2011); “Inquietantes deslocações do pulso” (2012); “O canto dos manguezais” (2018); “Telemática. Reflexões de uma adicta digital” (2021); “LUCES ALTAS luces de peligro” (2022) e seus mais recentes livros cocriados com Inteligência Artificial: “Fosforescência tigra”, “Aire” e “Memorias de árvores” (2023).
Ela é editora fundadora da Revista de Literatura y Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde o ano de 2004. É cofundadora da Furia del Libro (Feira de editoras independentes, Chile). Como editora, desenvolveu mais de vinte e cinco coleções de poesia, narrativa, ensaio e audiovisuais, publicando mais de 500 autores.