Quatro poemas de Michelle C. Buss
Michelle C. Buss é escritora e autora de quatro livros de poesias, sendo a obra não nos ensinaram a amar ser mulher (Bestiário, 2018), finalista do Prêmio da Academia Rio-Grandense de Letras, categoria poesia, e finalista do Prêmio Ages Livro do Ano. Poesia para Michelle é ato de vida, é horizonte de possibilidades, é transcender distâncias. De alma andarilha e desassossegada, as dinâmicas e ciclos da natureza, os ritmos de novas culturas e diferentes lugares são formas que movimentam a relação de Michelle com sua poesia. Desse envolvimento com as palavras, tornou-se Mestre em Letras pela UFRGS, na área de Pós-Colonialismo e Identidades, onde pesquisou o Ocultismo na obra de Fernando Pessoa. É também cocriadora do projeto literário no Instagram Poesia pelo mundo e, ao lado do poeta Léo Cruz, é curadora do Sarau Poetaria.
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minha língua é
mar de desejos
ondulando livre
pelas tuas geografias
de primaveras despertas
na curva das ondas
luas de insônia
pingando a fome das tormentas
em minhas células
desassossegadas
à procura do sol da tua pele
ser e se deixar mar
me perder em ti
ser e se deixar amar
me encontrar em mim
tua respiração nos meus cabelos
aninhando suspiros em minha nuca
acordando as tempestades
que me habitam
acordando o poema perdido
nos meus olhos nos teus
ser toda tua em mim
ser eu por inteira em ti
suave e selvagem
no ritmo interno
de medos e coragem
aqui contigo eu
uma nudez lunar
derramada em ti
meu amor é oceano
*
reconhecerme
entre meus montes
despertam tempestivas
auroras do desejo.
um regato de prazeres
corre livre pelos meus vales…
nas grutas profundas:
eu luminosa queimando em mim.
*
Desfazer nós
desenrolar
cortar as linhas
cortar entrelinhas
arrebentar os fios
separar os fios
desfazer
nós
*
meu coração sangra
a ferida dos oceanos
insolações de sal
nas memórias em maresia
que ardem ao sopro
do vento prata dos teus olhos.
meu coração
um poema à deriva
nas águas de quem
acolhe a dinâmica das correntes
bússola interna de quem se entrega
de quem se desnudou de todos
os medos na praia…
meu coração
um pélago aberto
um rasgo de tempo
jardim marítimo
de conchas, tuas íris enluaradas,
de águas-vivas e teu não…
meu coração
o estouro do trovão
em tempestades em alto mar,
no céu fissuras de saudade.
retido nos meus olhos:
o som manso de tua voz nos meus cabelos
e os intervalos que se fizeram entre nós.
meu coração
um sol de silêncios
amanhecendo no mar…
(Foto [capa e home] de Rika Silveira).