Quatro poemas de Patricia Peterle
Patricia Peterle (1974) nasceu em São Paulo, cresceu no Rio de Janeiro e mora em Florianópolis. É crítica literária, tradutora e professora de literatura italiana na Universidade Federal de Santa Catarina, atua também na Pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas da Universidade de São Paulo. Tem Pós-doutorado em História pela UNESP e em Poesia Italiana pela Università di Genova. Seus poemas foram publicados nas revistas Acrobatas, Mallamargens, Ruído Manifesto, na galego portuguesa Palavra Comum.
Contato: patriciapeterle@gmail.com
***
Delirante cena da vida
Você se vê vagando no meio dos cães
como vão para longe
cavam desesperadamente a terra
para encontrar uma proteção
afundar o osso naquele delírio
voraz de velar o osso
na vitrine da terra.
É também essa a sua tentação
frear a cena da vida
detê-la numa lenta, íntima ocasião
para sempre perdida
*
Rasgando a cena do real
Depois mexemos nas panelas
a casa é a tua
os garfos e facas caem da mesa
cascata de metais, o eco
rasga a cena do real.
O corte incandescente de Burri
ferida aberta que não cicatriza
convida e evoca
diante do tormento da matéria.
*
Sintomas
Eis-me aqui. Voltei.
As paredes outras delimitam
esse território ainda estranho.
Muitos elos entre mutações e mudanças
a alteração pode ser
minimal
radical
o calor desnaturaliza a proteína
A janela oferece novos ruídos
até um pedaço de rua
carros e pedestres com ela
revoada de pássaros
a luz entra mansamente toca
o computador e a mesa
quase os de sempre
Aprendendo o caminho da cozinha
reconheço os objetos e
o cheiro do seu café
*
226
Os cômodos estrilam vazios
no rastro do desamor
destroços invisíveis nesse
copo seco sobrevivente
da erupção irracional
do colapso
A água agora vermelha da piscina.
Não houve despedida
nem todos sucumbiram
os que sobreviveram
perderam direção