Quatro poemas de Paulo Santana
Paulo V. Santana nasceu no Rio de Janeiro, em 1997. Formado em letras pela Universidade de São Paulo, mora na capital paulista e trabalha com marketing editorial desde 2016. Escreve.
Instagram/Twitter: @paulovsantana
Contato: paulorvsantana@gmail.com
***
rua itambé (apartamento 404)
o cheiro da esquina
das revistas não é
o cheiro desta rua
ou da calçada ou do meio-fio
do passeio da contramão do pedestre
aquele pedestre
com dois pães e um maço embaixo
do braço
o pedestre penetra
o edifício de mãos inquietas
sua casa
: minha casa
içado pela janela ele entra
em uma das duzentas e cinquenta
e duas janelas ele entra
não pelas escadas não pelo elevador
ele entra içado ele entra
dentro desta caixa
de papelão
ultrassom nas paredes ainda
é possível ouvir o som das betoneiras
o chão de taco é palco
as cortinas seda as cortinas quase
as cortinas já vão
se abrir
*
rua iriquitiá
1
atravessar
a rua de casa e já
chegar ao colégio
de freiras onde eu cresci
embora não tenha me tornado
freira
chamavam-me paulinho
diminutivo que fez as malas
e volta
em visitas ocasionais
checa se a pequenez se faz
presente
nunca perde a viagem
2
ainda nos primeiros anos
teve a vez da festa da
família na escola
cravo era o meu papel
pétalas de eva branco emoldurando
um rosto os vincos do rosto
dizendo
não quero ir
dois olhos que olhavam
pelo portão de ferro
gente gente gente
e logo se tornariam água
cinquenta ou sessenta
passos não é viagem perdida
voltamos
3
depois das aulas todos
iam embora
e restavam nós no fim da tarde
as meninas e eu
brincando
quem mandava no jogo sentava em cima
do hidrante vermelho
eu vejo com os meus olhinhos
uma coisa florida — nossas mães
as mães delas e a minha
avó
fofocando
vez ou outra uma ou duas
meninas voltavam
comigo
casa prorrogação da escola
eu pequeno anfitrião
não tinha muito
o que mostrar
4
do outro lado da rua
morava outro garoto
das freiras
(marco aurélio era o nome)
amigamos porque
menino deveria amigar
menino
ficou com a tão suada
sonhada coleção de cartas
de pokémon
e nunca mais
jogamos
5
dentro da casa:
segundo andar do
sobrado:
estamos no quadrado
ou melhor no cubo
à época a forma não importava
aqui
o sol não entra
aqui
entra o calor
a parede fria pela manhã
é quente
de noite um calor infinito
particular
vemos o mundo lá fora
gradeado
vidraça com as marcas
de quem já passou:
dois irmãos
— um quarto
um filho e uma mãe
— um quarto
barulho —
é a tv da sala
poeira —
é a rua querendo entrar:
as paredes brancas e amarelas
infiltração
têm histórias grudadas
mas esta fo-
foca fica para outro
dia
6
nem que a saída seja a entrada
toda rua tem um fim
e um nome
deve ter significado
mesmo que na placa
— nos moradores —
persista o desbotar
*
rua manuel da costa ataíde
a busca contínua:
encontro na cidade
uma outra cidade
uma outra cidade
quando ele diz — são paulo é um texto
novo
não terminam as linhas escritas
sobre branco
sem pauta autor ou começo
não terminam os personagens
sempre deixados pela metade
não por falta de força de quem
bate a máquina
ofegante toda página é
uma página
faz desta ruela o centro
da cidade o centro do texto
*
sobre uma fotografia de george platt lynes
circulo a mão com um lápis
como uma criança rabisca
a própria mão na parede
uma mão sobre um torso prestes
a aplicar a força que derrubaria
uma casa
uma mão ouvindo os sussurros
atrás da porta
o corpo, horizontal
— como uma estrada?
o corpo, vertical
— como um edifício?
se um homem fosse um prédio
todas as suas janelas estariam voltadas
para dentro
se um homem fosse
um prédio
ninguém, nenhum passante
na rua saberia dizer
priscilla
faltam palavras pra explicar o quanto eu amei <3