Quatro poemas de Rafael Amorim
Rafael Amorim (Rio de Janeiro, 1992) é poeta, pesquisador e artista visual independente. Publicou “como tratar paisagens feridas” (Ed. Garamond), seu livro de estreia premiado na categoria Novo Autor Fluminense na 4ª edição do Prêmio Rio de Literatura, além de “matrimônio” (Margem Edições), “santíssimo” (Urutau) e dois outros livros de forma independente: “estrada dos coqueiros, 673” e “um futuro em que não seja preciso escrever um futuro”, este último em parceria de Lucas Canavarro. Tem se interessado por perspectivas suburbanas e homoafetivas no fazer entre as artes visuais e a escrita.
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recreio dos bandeirantes.
no futebol nada fazia
tampouco no queimado
com as meninas era só sala
esperava então o fim de semana
para ver as panturrilhas salgadas
dos moleques da praia distante
e no altinho a bola de leite
era a felizarda.
*
uma bicha um pouco madonna
qualquer coisa de frank ocean
indecifrável de boca fechada
de boca aberta um tanto confusa
nos olhares de outra bicha
cabeluda meio baixista bicha
cacheada de brinco na orelha
os olhos pretos espreitando
os verdes olhos da outra
com água parada nos olhos
a outra bicha recém-chegada
cansada no ônibus sentadas
uma ao lado da outra
se fazendo carinho
duas bichas beijando na boca
a coisa mais bonita do mundo.
*
frente fria.
querer para mim
os amores em domicílio
chegam antes da chuva
deitam na minha cama
numa tarde de domingo
morrendo de preguiça
eu quero para mim
o amor que por não ter
onde cair morto poderia
morrer aos meus braços.
*
carnaval, 2002.
bate bola bate o pé
se for homem vem aqui
mas não assim tão perto
se for bicha fica aí
que daqui também o sou
a imaginar tiranias
seu corpo no meu
duas bichas mascaradas
encaro sem ser encarado
escondido pelado
debaixo da fantasia
invocado
se for bicha fica aí
é melhor para nós dois.