Quatro poemas de Roberval Pereyr
Roberval Pereyr é poeta, ficcionista, professor, editor alternativo, desenhista e compositor. Reide em Feira de Santana, Bahia.
Os poemas “O andarilho” e “Legião” integram o livro Amálgama: Nas praias do avesso e Poesia anterior (2004); “Galope” integra As roupas do nu (1981); e “Declaração” é inédito.
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O andarilho
Lá vai o andarilho.
Talvez seja um mendigo,
talvez um palhaço;
e entre um pai e um filho
mova-se preso num laço.
Lá vai o andarilho.
Talvez seja um fantasma,
talvez um demente.
E meus olhos, que o plasmam,
não podem vê-lo de frente.
Lá vai o andarilho.
Talvez não possa segui-lo
porque se move num sonho.
Ah, vou cercar-me de espelhos.
Assim, talvez possa vê-lo
vagando em meu lado estranho.
*
Legião
Para Valdomiro Santana
Os viscerais.
Os aguados.
Os donos do império e da farsa.
Os de fácil declinação.
Os falsificadores da falácia.
Os clínicos, os cínicos, os simpaticíssimos.
Os atuais pretéritos atuais.
Os sacaneados plácidos.
Os bem-vendidos, os amalgamados,
os da lama.
Os enviados para destruir.
Os que se deitam para maquinar.
Os que colhem flores por equívoco.
Os desvairados.
Os canibalistas do absurdo.
E a certeza de tudo
piorar.
*
Galope
Meus pensamentos são meus camelos
meus pensamentos são meus cavalos
(com uns cavalgo para o silêncio
com outros marcho para a saudade).
Meus pensamentos são meus cavalos
meus pensamentos são meus camelos
(sou sertanejo, nasci nos matos,
ando a cavalo para mim mesmo).
Meus sentimentos são meus desejos
em que me vejo perdido, e calo.
Meus pensamentos são meus camelos
meus pensamentos são meus cavalos
*
Declaração
Vou engravidar o Outro:
o Outro vai me parir;
o Outro vai ser meu pai
e minha mulher.
Eu e o Outro vamos convergir
numa voz. E numa outra voz,
nos matar.
O Outro
é meu ímpar
fundamental.