Quatro poemas de Rodrigo Moretti
Rodrigo Moretti é poeta e dramaturgo. Compõe o sexteto literário Anáguas, ao lado de Ana Cláudia Romano Ribeiro, Consuelo Lins, Ismar Tirelli Neto, Katia Maciel e Livia Flores. O livro Sol talvez seja uma palavra (7Letras), resultado de uma residência do grupo na lagoa da Conceição, está em pré-venda. Rodrigo é autor da peça Eu criar você um dia (SESI-SP Editora) e cocriador, junto com Mariana Cobuci, do podcast de cartas Extravios. Teve poemas e traduções publicados na Revista Peixe-Boi. Trabalha em seu primeiro livro solo.
***
O Guarda-Florestal
Porque perdera os óculos,
Não pode achar os óculos.
Porque passada a segunda garrafa:
Achá-la? Vá pela sombra.
Vizinhos? Oi, Algum,
Com meu muro na porta do pavilhão
Auricular, saberá dizer-me qual será
Mais o caso em que me encontro?
Se um de falta, ou se um de demasia,
Que me atrapalha achar.
Um professor de língua inglesa, o amava,
Prescreveu-me que, não sendo
Possível ficar juntos,
Tornássemo-nos o mesmo.
Pudesse, pelo menos, ele apanhar
Sinais de fumaça, contava-lhe como
Foi bom dia o dia de hoje: meu
Primeiro como guarda-florestal.
Não é verde. Não me lembra
Da garrafa que não achei.
*
O sapateiro napolitano Melchiades Mavonta di Mensa
estava a fazer reparos na sola do malengraxado
quando o cadarço lhe estrangulou
seu dedo justo o anelar.
Pelo resto de seus dias sentiu maus sentimentos
por não poder devolver o marido.
As pessoas desgraçadas gritam as alegres picam cenouras.
Melchiades picava cenouras gritando.
Que desplante.
*
Somebody Has To Die
O novo projecionista da noite é único no mundo
a rodar o mundo e parar justo no fim — de trás
de um muro molhado de lua, ele volta
encoberto como uma perna amputada, risca se
livra bafora, rindo sozinho, ratoeira partida,
subindo ao meio-
-fio a braguilha, flagra meu atraso,
diz que, se me apresso, no escuro lá dentro
é minha Bergman que vou encontrar. Eu entro:
pelo vinco no seu vestido negro,
saem-lhe as costas.
O corredor ao seu lado depõe-se de lábios
na sua orelha. Seu coque meneia
de ombros: um par
de seus dedos no ar enluvado
o descose. Volta-me o rosto, sorri
sob luz fria. Luz de minha lanterninha.
Nada que ver, não há quase nunca nada
aqui, não sei se é mesmo ela — É míster
Mitchum outra noite atrás
da porta espiando
míster Perkins no banho — foi pego!
Podia, petrificado, usar a mesma
sonata que à mãe, à queima-roupa, a filha
na sala de música soluça; podia dizer: “Eu entrava
de fininho nas pausas
pra saber que você existia“. Ele pule
cada precisa palavra, se lembra
qual a sua sequência: pena
que só na manhã seguinte ele pule e lembra;
enquanto busca
entre números o número
da sua poltrona
no transcontinental — quando
já da boca do corredor, sob luz fria,
divisa que está ocupada.
*
Pleasures
Curioso. Ninguém agachado
no limiar dos cílios
atrás de sua cama
alguma vez apareceu-lhe
no escuro
dizendo baixo cuidado
vai passar
agora você
está passando
bem no meio dum.