Quatro poemas de Sarah Sanches
Sarah Sanches, Lésbica, baiana, poeta e jornalista. Nasceu em Salvador, mas foi no interior da Bahia, onde viveu os últimos 13 anos, que se conheceu e construiu lésbica. Entende a poesia e toda forma de escrita lésbica como estratégia de sobrevivência, como um ato de rebeldia, rasura e resistência ao mundo e à linguagem heterossexual. Atualmente, está mestranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo.
***
a palavra
desliza lés-bi-ca
sobre a língua
ensaia um estalo
beijo úmido
entre lábios
macios
*
eu Sou
nela existo
em primeira pessoa
nela eu Sou
verbo, palavra
substantiva
maiúscula
comum e ordinária
substancialmente
própria
substantivamente
lésbica
na poema
eu Sou
*
a poesia pulsa
a poesia me faz
sentir viva
a poesia pulsa
vida
palavras benditas
a derramar
dos dedos à língua
como coisa
que não é pouca
a poesia
me toma inteira
do coração à boca
me faz sentir
sem roupa
absorta, solta
transcendente
entre o aqui
e o lá pra frente
com passado
com presente
em uma Lesbos
remanescente
outro tempo
outro espaço
outras da gente
com as quais
se sente
dois, quatro
oito lábios
no instante
de um verso
e de um abraço
*
poema-afago
você disse
“tô ouvindo ela agora”
e eu a coloquei
para tocar também
na esperança de
sintonizar sentidos
e corações
lhe emociona imaginar
que outro coração-sapatão
pulsa, quem sabe,
talvez junto com o seu?
há uma poética lésbica
na sintonia
dos ouvidos e dos afetos
das palavras e dos versos
sussurros indiscretos
discursos
ainda que dispersos
encurtando as distâncias
os vazios e as faltas
do existir lésbica
em meio à solidão
deste mundo-homem
os quilômetros de estrada
que separam
todas nós
em volta do globo
e mesmo aqui e agora
em que dois km ou mais
parecem abismos
desaparecem
na imaginação-sáfica
que faz o seu sorriso
e o meu
se abrirem juntos
em meio às palavras
escritas faladas ouvidas
sentidas trocadas
desde um poema
à uma canção
sim, é verdade
não existe mesmo nada
absolutamente nada
melhor do que Ser
junto à outra sapatão