Quatro poemas e três colagens de Laura Roman da Luz
Laura Roman da Luz tem 22 anos, é natural de Florianópolis e segue residindo na cidade. Estudante de Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina, está atualmente trabalhando na execução do seu TCC. Desde 2019, vem fazendo experimentações em linguagens variadas como videoarte, fotografia, desenho, pintura, colagem, bordado, escrita, etc. Em seus processos artísticos, o corpo e a palavra são elementos de grande relevância e permeiam significativamente as produções. Os temas abordados em seus trabalhos passeiam entre o político e o íntimo, o social e o pessoal, por vezes misturando-se e unindo-se.
Site: https://lauraromandaluz.wixsite.com/portfolio
Instagram: @lauraromandaluz / @llla.u.r.a
Email: laura.romandaluz@gmail.com
***
arde no peito um sol que alumia e queima
arde no peito um sol que alumia e queima
e cria sombras pelo simples fato de que ilumina.
carrego na boca o gosto agridoce
de uma língua que tocou e disse
coisas belas e difíceis;
e uma pele onde foram traçados caminhos,
trilhas marcadas por pegadas fundas
que muito aos poucos se desfazem com a chuva
que escorre dos olhos.
no ouvido sobrou o zumbido que sucede
grandes ondas (não somente) sonoras
espalhou-se até alcançar as mãos inquietas
e ainda faz arrepiar os pelos de repente.
no estômago um laço que virou nó
quando a linha foi puxada para longe
e tensionada
se faz presente o tempo todo.
*
poema quebra-cabeça ou poema quebrado
eu lhe disse
você escutou
tantas coisas belas
dores que reverberam de dentro pra fora
as palavras embaralham-se
eu entendi
e aquilo escapou
foi absorvido
se perdeu no caminho
algo flutuava
não podíamos ver
achei que escutava
um vento soprou às avessas
o chão tremeu por um instante
quase imperceptível
tão rápido e sutil
percebemos?
o que foi mesmo que dissesses?
um toque gelado
o conforto de um olhar / o confronto de um olhar
que rasgou-me o peito
um abismo invisível
os pés na beirada
o medo e a vontade
um magnetismo irresistível
sufocante
um nó
os olhos perdidos
os ouvidos cansados
os ombros tensos, curvados
as curvas do mundo
nas paisagens do corpo
um sinal distante
e de repente um som
iluminando fracamente
uma penumbra
de um ruído
algo entre nós
nas mãos inquietas
nos pés doloridos
um caminho serpenteante
gritei
chorou
pôs os braços ao redor
um quase toque
um desejo silêncio
tocou-lhe a boca
faltou o ar
escorreu
dissolveu
endureceu
mostrou os dentes
almejando
quis muito
fracassou
dizendo tentei
*
em mim tudo é dedicado às flores
meu bem,
não se preocupe tanto
com esse meu temperamento úmido e pontudo
irregular e amorfo
tenho sol em câncer e ascendente em peixes
não tem como alguém assim bater bem
do coração
em mim tudo é dedicado à(s) flor(es)
da pele, do peito, dos nervos, da cabeça, dos ouvidos.
as montanhas e os vales em mim
mal enxergam um ao outro tamanha sua distância
mas, tão opostos que são,
encontram-se na ponta contrária da minha alma circular com rapidez surpreendente
extremos que de tão afastados tornam-se seu próprio antônimo.
benzin,
eu sei que tua preocupação é carinho
mas não se afete tanto
pelos meus excessos
sou afetada, sou afetuosa
é da minha natureza ser esponjosa
assumir as cores dos líquidos que mergulho
inflar até entupir todos os poros
e ser espremida em lágrimas de liberação
acho que nasci um tanto crua
afinal, sou água — você mesma diz —
e se tivesse cozinhado um pouco mais
não endurecia, evaporava
pra me fazer enrijecer
só me tornando fria, congelada
e isso me recuso a ser.
*
deitar no fim do mundo
banhada de luz rosa-poente
reflete o pôr do sol no olhar
a pálpebra desce lenta no início
acelera quando está prestes a tocar
o horizonte do olho
tal qual o astro
que diariamente cai
com paciência larga que de repente dá lugar a pressa final
para deitar no fim do mundo
*
*
*