Quatro poemas e um conto de Tereza Du’Zai
Tereza Du’Zai, natural de Itajaí, SC, é poeta, contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. O tempo, a loucura, a solidão e a morte são temas recorrentes na obra de Duzai. Vencedora do III Concurso UFES de Literatura na categoria poesia, participou também de diversas coletâneas publicadas entre 2016 e 2022.
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De Pernas Abertas
Como um tumor outrora revestido por delicada capa brilhante,
Você avança com seus tentáculos vermelhos.
Como você se sente, senhora B.?
Santa Senhora B.
Sempre tão orgulhosa com suas toalhas de prato bordadas,
E uma cidade para defendê-la.
Bonitinha, enfeitadinha,
Anedota de bajuladores.
Esposa, mãe, filha, tia,
Prostituta conjugal.
Sem rumo em sua própria casa,
Você aguarda a volta de seu potro;
Amordaçada num casamento de aparências,
Privada do privilégio de ser a protagonista de sua própria mentira.
A culpa é sua, Senhora B.
Você é culpada por essa casa, esses móveis, essas cortinas, essas refeições;
Você é culpada por esses vizinhos, essas visitas, o egoísmo de seus filhos.
Você decidiu permanecer,
Permitiu que a adestrassem: ele e os outros.
Primeiro um carro para ele, depois para você – um modelo inferior, um carrinho “de mulher”,
Você é culpada, Senhora B.
Por todas as traições sofridas,
Não se faça de vítima, você as mereceu,
Você as merece. Você é falsa e conivente, Senhora B.
Não o julgue pelos filhos concebidos em leitos alheios;
E não finja tê-lo perdoado, pois você jamais se perdoou,
Sobretudo, não finja amar esses filhos gerados noutros ventres,
Isso pode ser perigoso para eles, e para você, Senhora B.
Saiba: ódio e amor são sentimentos antagônicos.
Essas moças, a quem você chama “vagabundas”,
São tão vagabundas quanto você, Senhora B.
*
Não perturbe meu silêncio
Porque você não sabe nada sobre ele,
Porque, enquanto eu falava, você não quis me ouvir;
Agora ele tomou dimensões descomunais,
Sutil, sem fúria.
Criou tentáculos entre os quais me abrigo sentindo a pulsão de sua profundidade, a viscosidade de sua pele.
Vocẽ já não consegue alcançar minhas mãos, nem eu as suas.
Lágrimas silenciosas descem, evaporam, drenam meu corpo, pouco a pouco…
Você conhece o poço dos silenciados?
Nele conversamos nossas dores sem falar.
Lá, o tempo se divide em dois,
E você poderá ouvir os ecos da mudez do mundo
*
Do Eu à Lírica
Não me impeça de partir,
Distanciar-me de tudo o que vivi.
É justa minha insatisfação;
Esta ansiedade para deixar seus lodaçais, alcançar colinas, transpor pontes, ou – por que não? – descansar no silêncio tumular.
Suas reminiscências gotejam desamor e crueldade.
Não simule a dor que, francamente, não sentes!
Não chores!
Nuvens cinzas aparecerão como mantas de chumbo.
Contudo, os vapores da saudade desaparecerão na indiferença
dos desprotegidos.
Mesmo que meu refúgio sejam cavernas escuras, nelas estarei alheia aos tormentos dos crentes alpinistas.
Lá invocarei o Deus-corpo e com ele comporei uma canção à Mãe-Não.
Nos reconheceremos, Eu e Deus?
Ouçam os ecos das débeis elegias surdas dos carniceiros.
Aprisionem suas dores tardias em seus sentimentos rochosos.
A mulher-fábula caminhará.
*
Poeminha do Mal II
Quisera eu, com meu poema, asfixiar, sangrar, esfacelar sua ideologia de estábulo.
E, como fazem as poetas malditas por natureza,
Arrancar e atirar longe essa máscara ardilosa que esconde sua face. Sua face morta.
Morta de medo, morta de vergonha, morta de rir.
Eu rio de você, com e sem máscara.
Nós.
Fluidos corporais: gases, vômitos, diarreias, palavras.
Minha pele filtrada.
Boca espumante,
Dedo na cara.
Pernas fechadas: dou, não dou…
Mil infernos dentro de mim.
Eu fecho a cortina para não agourar meu dia.
Ovo podre! Galinha choca!
Estourou no mundo, cuspiu meu embrião psicótico.
Meus versos, meu travesseiro, minhas unhas crescendo
Tenho mágoas, tenho dó,
Sou um circo, sou um rancho, sou uma vaca.
Toctoctoctoc
Faça amor com um palhaço e goze rindo na roda de fogo.
Estou repleta de hematomas.
Que surra, meu Deus!
Chicote? Sim, com ponta metalizada.
Tantos céus sobre minha cabeça…
E nenhum sobre suas costas?
Vomitei uma serpente.
Quer uma jaca? Um nabo? Um chuchu?
Sopa de lesma, leite de baleia, panqueca e pancada.
Profissão: matadora de poesia.
Quisera eu matar a mentira a socos e pontapés.
Vê-la se contorcer, se encolher como um verme exposto ao sol.
A culpa é sua por despertar em mim o pior sorvete do mundo.
Alô, mamãe! Alô, papai! Donas de casa! Alô, Dona Maria!
Ovos fresquinhos direto do cu.
*
Boceta
De pé no meio da praça, ele observa o movimento a sua volta, vestido à executivo: terno sob medida, óculos Gucci, pasta Prada, tudo original: sério, gargalhante, sério, gargalhante, sério gargalhante…
P0rrA! Alguém precisa chamar a família! Ou é rico e doido, ou vigarista e doido, ou um principal se divertindo coma cara da ralé.
E super loucos, super ansiosos para vê-lo se f0dend0.
Eu cá não duvido: fez uma aposta entre os seus enquanto bebericava um Grand Cru.
Um grande kÜ?
Rsrsrs…
Grand Cru, é uma marca de vinho.
Ele deveria experimentar uma Corote dividida entre os trecheiros numa pet.
Não há nada nele de andarilho. Foi aposta: quem conseguir juntar o maior número de curiosos por mais tempo ganha algo que não podemos comprar. Ricos se divertem com a curiosidade dos desgraçados que os financiam. Deve ser um escravagista do pinto rosa.
Pode ser um psicótico. Estranho é a polícia ainda não ter chegado.
Olha uma viatura estacionada lá!
Contei quatro.
Talvez seja um espião. Sei lá, melhor ir embora.
Quer saber? Esse merda que vá tomar no Ku! Tenho de trabalhar.
Preciso ir também. O Carlos está ali na Hercílio comprando um sapato. E não é um Brioni!
Car@lh0! Preciso pegar a Anastácia na escola! Se der eu volto.
Ainda não almocei. Também tentarei passar por aqui na volta. Quero saber qual é a desse maluco.
E a da polícia também.
Disfarça! Olhe quem tá lá!… A cópia do atestado falso há de estar na bolsa, Veio às compras e aproveitou para assistir um show, só para espairecer, peidar enquanto os carros passam, buzinam…
Observe: ele parece indiferente à plateia.!
Lá vem o But-But! O pastor da Sete, como sempre, vestido à marrom-diarreia.
Agora, sim! Veja! Ele se aproxima com a Bíblia aberta.
Está ronspirando: Ronc, ronc, ronc…
Aleluias! Glória a Deus! Ronc, ronc…
Oremos! Ronc, ronc, ronc…
Sai daí, suvaquento de bosta! Deixa o cara, porra!
Vai But-But! Expulse dele todo espírito de riqueza, vaidade e concupiscência.
Conscup, concuspe! O quê?
É só uma palavra. Esqueça!
Ai, malandro da Sete, lança pra cá toda sorte de grife que cobre o corpo desse ambicioso endemonhado.
Eu quero a mala!
Os óculos! Aqui!
O terno! O terno! O terno pelo amor de Deus! Eu mesmo faço os ajustes, But!
Mas enquanto o charlatão se aproxima, o desconhecido se empolga: desce as calças, exibe sua b0 c ta depilada, rosada e linda: Louvado seja o Senhor Deus, meu adorável irmão! Em nome de Jesus, eu imploro: ore pelo milagre do pau nascente. Não precisou mais de um minuto para que suas roupas e acessórios fossem todas atiras para o alto, por ele mesmo, causando grande alvoroço entre os seus expectadores e perplexidade aos olhos encantados de But-But.
Lígia lutou pelos óculos, mas alguém o furtou enquanto ela tentava enfiá-lo em sua bolsa;
Cadu deu um salto certeiro sobre a pasta e saiu correndo como um atleta em uma pista rápida.
O terno foi disputado com tal fúria e nada sobrou além de farrapos de tecido nobre, porém inúteis.
O cinto caiu nas mãos de Mana Pitolina, de quem ninguém conseguiu mais se aproximar. Lá pelo meio da tarde, ela voltou faceira com cigarros, pinga, leite condensado, macarrão instantâneo, refrigerante…
Somente quando o alvoroço terminou, os curiosos remanescentes atualizaram suas informações sobre o encontro entre But-But e o desconhecido, o qual glorificava a Deus enquanto o vigarista, arrebatado pelo vigor de sua linda bo c ta, a chupava com o furor , esganado de uma ovelha faminta em pasto gordo, ou ácaros pyemotes tritici, gemendo interjeições diabólicas. Sua respiração ofegante aumentou o fervor de seus roncos.
Fato: o desconhecido não tinha pênis, tinha, sim, uma bo c t@ sedutora, a qual fora exposta pela fúria libertadora do execrável But-But.
Espírito de pomba gira, possua o corpo deste teu dedicado servo A GO RA! Ronc! Ronc!…
Se ambos foram presos por atentado ao pudor? Que blasfêmia! A políci@ não haveria de interromper um exorcismo sacrolibidinoso de tal relevância por conta de um bando de bisbilhoteiros desocupados.
Eu hein!