Quatro textos de Inexpressivo
Inexpressivo é um projeto literário de exploração psicológica por meio de técnicas que brincam com o limite do humano, desde a meditação à inteligência artificial. Trabalhando com poesia em prosa, contos e escrita experimental, tem Principles of Demonology publicado na exposição Xennoverse.
Atualmente é estudante em Estudos Transdisciplinares no The New Centre For Research and Practice.
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Está escuro lá fora e uma presença cresce no meu vazio
Há um fantasma nessa sala, um que nunca vi. Um fantasma que nunca conheci e nunca conhecerei. Ele carrega em suas costas todos os dias em que vivi depois do dia em que nasci. Ele carrega todos os dias que vivi e nunca saberei.
Suas costas são pesadas de dejetos e entulhos. Não são memórias, mas o peso das coisas que elas deixaram para trás. Ele me carrega nas costas, e isso pesa.
Ele se abaixa até a altura dos meus ouvidos e sussurra, mas eu nunca ouvirei. Mesmo assim, um calafrio passa pela minha espinha toda vez que me dou conta de uma vida que não é minha e eu vivi.
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Vi o medo nos seus olhos enquanto caminhávamos para o fim do mundo
Pequei ao nascer: sou uma bala direcionada à têmpora escura de Deus. Entre os reflexos dos Seus olhos nos Meus vejo abismos, nada canta e a dor murmura. Existo num deserto de pó antigo, escondido do tempo.
A medonha morte plantada pelo próprio gesto suicida, o cano da arma, o ponto cego da onipotência.
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Meu tempo está acabando, já não sou mais; lá, onde nunca nasci
Meu corpo é uma masmorra de prisioneiros fantasmas. O esquecimento já deixou estas celas, mas a memória é uma megera suicida cravando suas garras na própria carne, ela distorce suas entranhas num testemunho sem olhos chamado Passado. Sou meu pior inimigo: qualquer coisa que faço alimenta o verme comedor de carne humana crescendo no meu estômago.
Minha única aliança é com a escuridão, o lusco-fusco dos meus olhos a decretar dispersa a imensa claustrofobia da expectativa. Não a morte, este fim, mas um vazio onde eu nunca comecei. Um lobo a me olhar na noite sempre distante, na escuridão, ressoando não mais o nome sussurrado que punha vida nessa máquina beligerante e esquecida.
Meu corpo é uma masmorra de prisioneiros fantasmas, onde cada rocha é tão antiga quanto o tempo. Há uma poeira que veio de lugar nenhum, deixo que ela tome conta de tudo até que isto se torne uma desolação sem qualquer direção onde ir.
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As moiras nascem para criar o passado
Três figuras reemergem do oceano numa praia deserta. Três vezes mortas, três vezes reerguidas. O passado toma a forma de seus olhos líquidos e embasados.
Seus corpos decadentes afundando na areia dura, a carne podre se desprendendo. A raiva as impulsiona gemendo nas ondas corrosivos de um mar venenoso.
Nada as vê na praia onde o Tempo teme entrar e apenas seu ranger molhado sussurra na aurora. Mas em cada passo delas nasce um fim do mundo.
Cesar Cardoso
Gostei dos textos do projeto inexpressivo. instigantes e diferentes da maioria das coisas que a gente lê.