Seis poemas de Alexandre Handfest
Alexandre Handfest. “Tenho 50 anos, sou jornalista, e escrevo poemas a vida toda, mas nunca publiquei um livro. Seguem aqui nove poemas da minha única e, até hoje inédita, coletânea de poemas intitulada Salvo Engano”.
***
PANÓPTICO
É metódico
e indisciplinado,
mundo caótico
bem trabalhado.
O neurótico
super sossegado,
apelo erótico
desengonçado.
Um católico
vivendo em pecado,
que tipo exótico
e mal-humorado.
É ultra agnóstico
aquele endiabrado,
com olhar robótico
do apaixonado.
Ser bucólico
e mega pilhado,
em coma alcoólico,
o iluminado.
Zen meteórico,
mestre liquidado,
cantor diabólico,
meu consagrado.
É melódico
e desafinado,
o apoteótico
quase apagado.
Um estrambótico
que é tão moderado,
gênio psicótico
muito ajuizado.
Ô, despótico
mais considerado,
em transe hipnótico
e desgraçado.
É anedótico
já banalizado,
o velho gótico
todo bronzeado.
E um retórico,
por força calado,
dribla o teórico,
também vigiado.
No mictório
do posto avançado,
tem esse histórico,
jazz desenhado.
*
PRONTUÁRIO
houve
um osso que
brado enter
rado
osso
sem rabo
preso
– um osso par
tido inter
ferindo em
nossa
planilha
do mês?
sim
um osso des
nudo atro
pelado e o
praça
deu cabo
à vida
– é oficial?
veja
um osso quei
mado infra
vermelho
desarti
culado
ali
– ouça
um osso fu
rado intro
metido na
fuça
do jornal
hoje?
não
um osso cor
tado entre
laçando
viola
guerrilha e
foice
um osso per
dido extra
vagante
olho
com dente
solto
– e deu fim?
nunca mais
se viu.
*
PANTAGRUÉLICO
Quando a pandemia acabar
eu quero encher a pança
tocar muito pandeiro
beber mil panaceias
jogar fora minha pantufa
abrir a Caixa de Pandora
dar uns tapas na pantera
comer quilos de panceta
ter os rins em pandarecos
afogar todo esse pânico
e renascer pantagruélico
já reunir a nova pangeia
me recompor da pancada
armar um pandemônio
bater alto na panela
até mandar pro inferno
o pangaré que nos governa!
*
POEMA AMAZÔNICO
Da floresta,
só resta
a flor.
*
DESCARTE
eu planto árvores-da-vida
em vasos de apartamento
troco na vitrola um disco
rígido com novas canções
na cozinha acendo o fogo
de nossos velhos corações
canto, danço, sapateio
e de tudo um pouco traço
paro relógios no tempo
jamais tive nervos de aço
penso, logo tudo arrisco
ergo mil castelos no ar
desenho as cartas do jogo
me embaralho para explicar
*
NATUREZA-MORTA
nu e deitado, imóvel
feito criado-mudo:
sou apenas o branco
das paredes vazias
num quarto sem vida:
não tenho futuro,
não tenho histórias.
calado e sozinho,
aqui permaneço
olhando pra cima:
o relógio parou,
a luz foi cortada.
no silêncio da hora
que hoje se revela,
assisto o dia ruir:
não tenho palavras,
não tenho vontade.
amortecido estou,
nada mais vejo além
do tempo que já foi:
a porta, fecharam
e o gás terminou.