Seis poemas de Ana Galdino
Ana Galdino é natural de São Paulo, moradora da região central, poeta e professora. Formada pela Universidade de São Paulo, atua como professora na área de práticas corporais. Em 2019, integrou o Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE) na Casa das Rosas e é autora do livro Lacunas, lançado em 2021 pela Editora Penalux.
***
em toda tempestade um chamado
o menino a corria mata adentro
sublime voava naquele instante
em que os dois pés saiam da terra
em toda tempestade um desespero
como o que tinha ao acordar
uma fome que não a de fruta madura
nem de animal abatido
a imagem gotejava na cabeça do menino
em toda a tempestade não se via a curva
da floresta
mas finalmente um clarão adentrou
entre duas seringueiras
no lugar do coração batia uma ave
o menino sentou-se quase morto
e sugou ávido o peito de sua mãe
*
àqueles com coragem de cruzar o rio com o olhar
*
o esturro da onça ecoa de va gar
em minhas entranhas cabeça sonhos
pouco depois do silêncio absoluto
daquela noite em que nos perdemos
na floresta
corri ainda perseguida
(desespero)
pelo som da onça que só
o dorso vi
(estremeço)
meu irmão espero um dia te reencontrar
contar segredos daquela beleza negra
segurar sua mão e caminhar caminhar
mas da mata eu ainda não consegui
sair
*
o vôo rasante das palavras ensaiadas
quase capturei
*
que bicho é esse? olha mas não vê
nem esboça nenhum movimento
em minha direção
circunda o próprio corpo em si
e parece se fartar de sua própria
carne
*
e esse ímpeto vento leste
que arrasta nossas certezas?