Seis poemas de Luiza de Freitas
Luiza de Freitas é carioca, mas cresceu em São Paulo. É psicóloga, estudou musicoterapia e está realizando um mestrado na EACH-USP, curiosa pelos entrelaces entre arte, clínica e política. Teve seu primeiro livro de poesia, Ecdises de Abaporu, publicado pela Editora Urutau em 2021.
Instagram: @ludefreitas__
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Prelúdio
antes da palavra
garganta inflamada
antes do nome
o toque áspero
antes do verbo
a luz nos olhos
antes da palavra
temos o corpo
e o corpo
sozinho
é um poema
*
na boca dos olhos
pensei: eu também
mas gritava que não
você tirava lenços
do fundo da garganta
seu penúltimo ato
mas eu fui dormir
querendo dizer que
eu também
queria despencar
raivosa da copa
e apodrecer bem doce
na barriga de algum
bicho sem nome próprio
mas eu gritei que não
fomos feitos assim
e acatar à ordem
é a nossa sina:
sobreviver
vivendo a vida
mais ou menos
eu também não entendo
nada disso, também dói
não sei dizer se mais
ou menos, se habitar
o universo na boca
de Deus ou engolir
o universo e guardá-lo
no esôfago, pensei
enquanto você tirava
um animal da cartola
seu último ato
ficamos, então, contentes
com essa farsa que temos
pelo menos à nós
*
neste corpo
entre eu e a canga
duzentos quilômetros
entre eu e você
duzentos quilômetros
o assobio do mar
sussurra essa saudade
entre eu e eu
quilômetros de nada
o trajeto do agora
se chama presença
*
baleia azul
em poema
posso (quase) tudo
então, invento
a tateio leve
lentamente sondo
aprofundo o toque
ouço a pele, escuto:
a baleia azul guarda na voz
o segredo oceânico da palavra
abraçá-la?
impossível
*
mudo convite
se minha língua
não lambe
o mundo ou não
se desenrola
o que ela
contorcendo
tem a dizer?
se isso sai de um corpo
deixa rastros
nada mais sincero
mudo convite
escorre pelos dedos
e algo de impossível
me acontece
*
epílogo
busco na linha do horizonte
uma afirmação para a vida
o sol nasce frio
diz que sim