Seis poemas de Mauricio Vieira
Mauricio Vieira, jardineiro de palavras, viveu em muitos lugares, mas sua casa é a poesia. Autor de Árvoressências e Manual Onírico de Jardinagem (poesia), A Árvore Oca (romance) e Floresta (infantil). Participou de diversos encontros literários no Brasil, em Portugal e na França. Organiza o ciclo internacional de leituras A Descoberta do Outro. Edita a revista Arvoressências.
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a chuva alimenta a árvore
a árvore alimenta a chuva
e eu me alimento disso
*
Alta Floresta
Releitura do Parque dos Cervos de Wang Wei
alta floresta
distantes ruídos humanos
do poente penetra um raio
alvejando o verde musgo
*
amor primeiro
to M.G.
frente à tela enquadrando
o trio de Truffaut
correndo pela ponte de metal
o casal de Godard
no sufocante quarto de hotel
o beijo sob a bananeira
do quadro de Lasar Segall
quando nos largou
o anjo que nos guardava
na moldura de suas asas?
*
Balanço
Though I sang in my chains like the sea – Dylan Thomas
na casa há um quintal
e neste quintal um tanque
com uma torneira em ferro
que libera água corrente
em torrente sobre a pedra
para lavar com um bom sabão
todo o suor das mãos e do rosto
depois de brincar no balanço
que recua e avança traz e leva
aquilo que eu não consegui
apanhar com as minhas mãos
agarradas às correntes de ferro
*
Ao meu pai
-pai, por que não respondes ?
-silêncio, menino
escuto o trovão que ecoa no vale
o galope do baio no leito da estrada
os silvos do bando no alto da mata
nereidas cantando dispersas na água
-pai, por que não respondes?
-silêncio, rapaz
escute o trovão juntando as águas
o cavalo que marcha mancando na estrada
a manobra do bando no meio da mata
rumor de sereia beirando o riacho
-pai, por que não respondes?
-homem, silêncio
escuto aquela que fala
no trote da besta das patas cansadas
no brilho da faca na pedra afiada
no riso da moça na beira da estrada
e quando lhe indago se a hora é chegada
apenas responde com outras palavras
*
Aprendendo a cantar
« let us go then you and I »
T. S. Eliot
bom seria joão-de-barro
pintassilgo bem-te-vi
rouxinol empoleirado
na gaiola de uma fábula
serviria andorinha
mesmo o tordo, até um galo
mas o pássaro entranhado
da maneira que ele rufa suas penas
é o corvo que me cabe
no meu íntimo ele teima
dou-lhe figos dou-lhe uvas
dou-lhe queijo dou-lhe pão
ele clama só por carne
a raposa eu convido
a prestar-lhe louvação
“ave esbelta e tão distinta,
teu tutano igual não há
cante corvo cante vá”
eu ecoo este apelo
–cante corvo cante vá
só me bicas e me afliges
não tens pena não tens lírica?
me responde então o corvo
entre golpes ao meu âmago
a voz grave mas melíflua
–outra coisa eu não faço
tu não ouves o meu canto
rejubila-te da pena longa e negra
pois sem dor que rói o ventre
não se aprende a cantar.