Seis poemas de Monalisa Gomyde
Monalisa Gomyde nasceu em 26 de setembro de 1992 em Ilhéus, no sul da Bahia. Perambulou por São Paulo, lá se graduou em Estudos Literários e Pedagogia. Atualmente reside novamente em Ilhéus, de onde termina de escrever sua dissertação de mestrado sobre a imaginação lésbica, além de nadar diariamente. Publicou de forma independente SAPA – uma zine ecolésbica (2020) e Essa estória em recortes (2021). Seu primeiro livro, Descaminhos (2021), foi publicado pela Editora Primata.
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quando nos deixam as pessoas tornam-se misteriosas
I
conchas
I am aware of my insane behaviour
todo los días I dance with mi espejos
One of them is rosa y madreperla
com toques de vermelho
The other is light blue azul clarinho suave and it shines o dia inteiro
let me clarify:
às vezes um se quebra
and my entire being
se estilhaça em devaneio
II
orlando
a edição mais bonita eu dei para ela
grifei um trecho
e escrevi: esse é para você
não sei qual era meu objetivo
talvez fosse preencher com poesia
uma angústia, um pendor à fuga
que ela achava ser só dela
a marca de um engano do destino e da natureza
e eu queria mostrar que era nossa
essa angústia e o desespero e o medo
e que atravessar mulheres atravessaram sempre
os limites, as regras, os enormes cativeiros
e alcançaram a si mesmas
e eu queria, como eu queria
que ela soubesse disso
e não se matasse aos poucos
com venenos e cortes em seu corpo
anos depois ela me disse
que nunca leu o livro
anos depois, agora já nem nos conhecemos
ela sumiu de todo
em outro nome em outro rosto
irreconhecível
III
uma leve agitação
o mar
embora colidisse em verde e azul
sobre meu corpo súbito
o brilho escarlate emerge através das rachaduras da realidade
os pulmões podiam sentir
(o brilho)
o mar agitado
levemente
colidia em verde e azul
e das rachaduras vazava tenro vermelho
escarlate
IV
sasha
não tinha sentido
e eu estava de saia, pasme
era frio e noite
eu correndo até
“her eyes were pure stars”
(os olhos dela eram puras estrelas)
patinamos no gelo da imensa cidade submersa
orlando e sasha
“I’m sick to death of this particular self. I want another”
(Não aguento mais! Estou farta de quem sou. Quero ser outr_)
eu sabia e queria dizer eu também
quem não?
talvez com um beijo eu pudesse passar a chave furtivamente
escondida de lábio a lábio
e com ela você abriria as portas
de toda as jaulas
“A woman. Yes, but a million other things as well.”
(Lembre-se. Sim, uma mulher. Mas também milhares de outras coisas.)
V
rapto
é oval a forma
é banal
mas damos três voltas
por dentro e por fora
no meio
lá dentro
tudo que se encontra
— rachado —
espelho
VI
mutantes luzes
O amor é uma direção, não um estado de ser
É um reconhecimento do pertencimento em outro lugar que não si
O amor é o caminhar até o destino que sempre foi
Sempre foi pois o amor é o que é antes de que se perceba que é
Sempre foi mas antes não se sabia, e o descobrir, o lento ou abrupto descobrir
Esse é o momento do amor
No qual se nota: estou amando
Daí em diante o amor é a confirmação do reconhecimento
Um rerreconhecimento, rerrerreconhecimento, rerrerrerreconhecimento
Em espiral segue a estrada do amor
mutantes luzes nos embalam
A caminhada — na forma limitada pela qual a percebemos — é um eterno rodar
Daqui, desse lugar em que amamos, parece que estamos a fazer círculos concêntricos em busca
Somos ignorantes, por isso que nosso amor é direção, é a direção para apenas enxergarmos
não precisamos caminhar, mas já que precisamos, o amor é caminho até o grande Amor
onde andar não é preciso, muito menos correr…
Lá todas dançamos pois não há nada com o que se preocupar
Por enquanto aprendi isso
O amor é uma direção e estou tão feliz por amar
O amor é um mapa e vai me levar até lá