Seis poemas de Pedro Rhavel
Pedro Rhavel, na infância, passou uns tempos morando com a avó num lugar onde não havia luz. Era um breu cheio de estrelas e vaga-lumes, cheio de cheiros inesquecíveis, sons de grilos, cigarras, e voos, muitos voos, inclusive de mariposa. Suspeita-se que foi aí que a poesia o encontrou e banhou seu espírito. Na idade adulta, é doutorando em filosofia pela UFRJ.
***
sem título
eu sinto tanto, sinto muito.
a cada suspiro vivo, permaneço, ameaço
no mesmo casulo de carne e ossos
que limita e me faz existir.
a forma não
condiz com meu âmago,
um contraste óbvio
a antítese imperfeita;
os quadros da sala kitsch,
o retrato ao lado do relógio,
o telefone fora do gancho.
pensamentos a mil. censura
entre grades. como cobaia: a vida.
das experiências vividas,
dou valor especial ao tédio.
uma viagem tranquila,
desinteressante
entre dias cinzas.
parecem domingos eternos agora à noite.
amanhã carregarei o peso do mundo sem eixo.
sem teixo, onde poderia descansar?
apenas os restos podres e
meu coração oco como um ídolo.
*
mariposa
meu nome: mariposa.
sou cousa nenhuma.
oca, ouso voar ao redor do fogo
suspensa pelo ar.
Recém-saída do casulo invólucro
negro e sutil
vivo presa ao ciclo – num halo fosco –
tosco da minha existência.
efêmera: a fera vida
corrompe em feridas
meus voos. há setenta e oito dias
plano sem rumo ao redor da chama.
clama, clama, clama pela vida
partida em setenta e oito pedaços
distribuídos em horas como
os ossos do corpo.
mariposa, ousa voar além da fogueira, levanta breve poeira – passa.
*
Três
Olhos de ágalma,
espelham a alma.
Desnudam todo ser.
Deméter fértil,
trancada no silêncio.
Deixa suspensa toda dor.
Hiância: ausência de.
Constância – infâmia fantástica,
ilude em ode ao amor.
*
E.
Este corpo que habito
Numa consciência frágil que sou
O instante é um grito
Nunca soube para onde vou
Os sussurros doloridos
Buscam o ar que se faltou
A minha vida toda puída
Desvencilhada — estragou
As chamas sorridentes
Fugidas de uma estrela: o sol
Dúvidas
Ardentes………………………………
A falta são os espaços não preenchidos
*
Uma chave quebrada
Desde que foste para lugares que não sei
procuro desvendar o segredo da fechadura que deixou
trancada dentro de mim.
Partiste não de repente, planejada foi sua jornada.
Saiba, pois, que a cozinha continua arrumada.
Os quitutes que gostas permanecem enquanto não destravo.
Experimento os bolinhos na hora mais escura. Abandono-me ao gosto doce que me amarga de falta.
Sua camisa habita o guarda-roupa. Não ouso mexer em nada.
Ainda que tenha mudado as coisas de lugar. Sua bengala, não mantive, agora serve a outros que fazem melhor proveito.
O seu chapéu, o seu chapéu! Conserva o cheiro de seus cabelos brancos sedosos, curtinhos, arrepiados. Agora chamo de perfume de saudade. Dizia-me que eu era vosso coração.
Sorrio, pois o guardo em lembrança. A chave quebrou.
Tranquei-me no oco, no vazio persistente da sua ausência.
*
a mais ardente philia conhecida pelos gregos,
mas desconhecida por mim.
deixa-me sem ritmo e rima
há em mim apenas espaço nenhum
preenchido fui por aquele que restaura
eros que tomou meu coração e
desde safo
dobra os carvalhos que teimam em cair sobre as montanhas
eros que faz correr o riacho que só o é no agora e o foi naqueles dias lá no alto
em nosso tempo alegórico aconteceu o nosso devir: tornar-se junto
em movimento infinito
e os pensamentos, aqueles constantes, nos rodeiam em suas imagens trêmulas
descompassas
cheias de amor
terno.
Pois me façam as deusas
Ou musas ou quaisquer que sejam
As deidades do destino
Menos amante
Pois é deste de quem ama
O pesar; a flama
e por fim
Um ser sofrente, insciente
De sua própria poesia