Seis poemas de Priscila Kerche
Priscila Kerche nasceu em Cuiabá-MT em 1989. Mora há dez anos em São Paulo-SP. Frequentou o Clube da Escrita para Mulheres e o Curso Livre de Preparação do Escritor (Clipe) Prosa e Poesia na Casa das Rosas. Participou da imersão “Corpo: animal em extinção”, em Alter do Chão-PA em 2021. Seu livro de poemas de estreia, “Tuia” vai ser publicado pela editora Laranja Original. Seguem aqui seis poemas de sua nova investigação poética. Está no instagram @priscilakerche
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Charco, meus pés enlameados
P tinha medo dos boizinhos, já K não se importava, enfiava as mãos nas tetas das vacas para tirar
o leite. o vô Rudi não gostava da terra vermelha
passava o dia na rede
eu queria passar o dia na rede
não ter que organizar horários
trabalhar
comer
foder
não ter que ir
você
você viria até mim
*
Rosa
você abriu espaço entre as plantas da sacada
do seu apartamento
que eu não frequento mais
porque você não vem mais
ao meu apartamento
sonhei que ele não tinha
nenhum móvel
não te vi
me deparei com o buraco imenso do
IMPREVISÍVEL
não te mandar mensagem
é muito tempo livre
sentei no canto da sala
sem espelho para acusar presença
ou medir vazio
pensei se
por estar no precipício
começaria a escrever
abismos
você comentou dos livros
inevitavelmente
ao vir da primeira vez
sentar em frente à estante
reconhecer lombadas
foi aos livros que eu corri
na ânsia de domar o tema
era assustador não saber nada
a leitura esvaída deixou
carcaças
tijolos decorativos
disparadores de conversas com estranhos
nem as carcaças estavam aqui
o cemitério virou deserto
*
Imersão
entre proteções contra ácidos, químicos e abrasivos
não há luva para
enfiar a mão na lava
você vai perder uma falange ou duas
ao tocar a incandescência
ou guardar uma estrela cadente no bolso
para dias de chuva
a onda interna arrasta
arqueólogos buscam o instante
irrecuperável
nas ruínas de Pompeia
a unha belisca dentro
o olhar afiado detecta
pequeno tsunami a bater na bunda e
lavar os pés
love growing
terreno instável em que fincar a base da grande corda pela qual
deslizar sobre o caldo quente vivo
agora âmbar
como vidro
forjar a flor esmagada
*
Mato Afiado
a tiririca ensina marcas do apego
a folha fina agarrada
fere findo o contato
conjuga
em vez de amar no
incessante infinito
estar amando
até a praia depois da
floresta encantada
haux
formigam as extremidades
não atingir o êxtase
fruir o sossegado
depois
colorir fotos em raw
*
quando sobra tempo
depois de tanto medo e cansaço
e dor
você descobre que não existe milagre
mas algum milagre
em mandar uma mensagem de amor
por mais que pareça não haver tempo
você descobre estar viva
ainda
nesse suspiro
ao pensar que alguém existe e isso é bom
sem se importar se você
existe
mas saber que é possível
daqui pra frente
*
o amor quis escapar da minha boca
vocativo
como as tantas versões do teu nome em
apelidos que invento carregados de
tanto carinho quanto a palavra
amor
eu uso com cautela
pra você não se assustar
como eu me assusto
ao perceber que
quase
falei
amor porque sinto e
finjo que
por conviver com cearenses
o amor sempre esteve em
minha boca
a atendente do caixa me ama
por uma questão de sotaque
mas eu sei você
me ama mais
sem dizer
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