Seis poemas de zetto poet
zetto poet, nasceu em Fortaleza, é poeta antes de se tornar advogado. Lançou, recentemente, seu segundo livro de poesia, Pássaros Negros (Urutau – 2022). Em 2020, estreou com Ave Poesia (Substansia). Foi selecionado para participar da Antologia Poética do II Festival da Poesia de Fortaleza de 2019 e para as Antologias Fissura e Intervalo, ambas da editora Nadifundio (2020-2021). Participou dos Grupos Literários Apple e Eufonia em Fortaleza. É sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais.
Instagram: @zetto.poet
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a violência da cruz
jesus não cruzou o mar
desse atlântico
veio
a cruz
— na mesma forma:
religião, estado e madeira —
que o violentou
e que negou alma
a toda cor que não fosse branca
ou a toda boca que não falasse a língua
dos anjos
*
brilhantes
despidos de qualquer bandeira
exaustos, suados
de peles pretas prateadas
rabiscadas de américa do sul
observamos a lua
e tivemos a certeza:
não, a lua não é norte-americana
*
reforma agrária
o tempo
o tempo não tem proprietário
nem a natureza conhece a propriedade
a ave voa
sem tomar ciência do espaço aéreo
a onça avança
desconhecendo os limites geográficos
o peixe nada
além-mares internacionais
a planta nasce
sem autorização judicial
e urge,
o tempo de manter distante
a espoleta da fome.
*
Vênus
solidão
palavra que tem cor e sexo.
o outro do outro do outro,
absolutamente,
é quem suporta
o peso da não preferência.
essa coisa do belo programado
que dá cor ao amor.
razão na razão na razão.
palavra que sufoca
a quem não pode ser a si
feita para qualquer gozo
da casa grande à sapucaí.
você seria capaz de amar uma mulher negra?
uma negra
também grita mulher
também grita amor
também grita sede.
Sublime,
caminha entre folhas
construindo o que não se pode definir.
é a própria certeza
a melodia leve.
*
e agora, passarinho
e agora, passarinho?
mais um século termina
outro se levanta com as mesmas mazelas.
mais um presidente racista
outro homem branco no poder.
e, mais uma vez jogado
no esquecimento,
no silenciamento.
o estado —
essa gaiola enorme —
não
foi feito para o teu cantar.
blackbird, assum preto
em tudo cegam teus olhos
para que não vejas tua beleza
o que se faz?
tudo feito para te dizer não,
porque o não é o espaço destinado
para teu corpo.
outra gaiola
onde te encaixam
porque sempre aperfeiçoam a antiga
que pertencia a teus ancestrais.
*
incendiosa
enquanto essa hora aflita escorre
há um céu que nos toca
sem culpa.
distantes, pelo presente que nos traça.
aportar o fardo dos teus olhos,
quando.
venerável. incendiosa.
teus olhos ainda
dançam com fogo?
das blasfêmias IV até aqui a poesia nos ajudou