Seis sonetos de Ivan Eugênio da Cunha
Ivan Eugênio da Cunha (Florianópolis – SC) é físico, professor e poeta. É bacharel e mestre em física pela UFSC e doutor em física pelo CBPF. Atualmente é professor colaborador na UDESC. Seus poemas são divulgados na internet através de sua página no facebook e seu perfil no instagram.
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NO FIM DA ETERNIDADE
Primeiro o cemitério da cidade,
depois o cemitério da memória
e no fim espalhado pelos gases
da cova celestial de estrelas mortas,
porque o tempo derrama sobre as coisas
alguma substância corrosiva
e tudo morre e seca feito folhas
no outono, com odor de despedida.
Mas erra quem coloca uma balança
no fim da eternidade para ter
a medida da vida e sua herança,
pois as coisas são mais que seu destino
e brilha o vagalume ainda que
ao final do verão não chegue vivo.
*
A CHUVA
Lá fora a chuva cai de lado a lado
além da transparência da janela
e penso que é um espelho que revela
a mim o que é de mim não revelado.
Revejo em cada gota algum pedaço
da minha sucessão de primaveras
e penso que é um espelho que revela
o quanto que me tenho derramado.
Quem sabe eu possa ali achar um norte
(alguma direção que me conforte
dos erros que me inundam catedrais),
mas tudo o que consigo é muito pouco
(é vão querer buscar algum consolo:
a chuva é só a chuva e nada mais).
*
Quando foi que nasceu? Nunca soubemos
e nunca foi preciso descobrir.
Sentíamos seu pulso em cada beijo
e bastava saber que estava ali.
Cada encontro era sístole e as esperas,
diástoles. Cada gesto carinhoso,
alento, e cada fim de uma conversa
era a antecipação do reencontro.
Mas foi, desde não sei qual tempo atrás,
afogando nalgum silêncio bruto e
percebemos só quando demos mais
um beijo e não sentimos mais seu pulso.
Morreu conforme foi seu nascimento:
quando foi, nós também nunca soubemos.
*
PARTIDA
Quando amanhã o sol se despontar
no alto da serra e iluminar meu rosto,
vou acordar convicto como um louco
e fazer minha trouxa de exilado.
Roupas finas, sapatos bem cuidados,
pois não precisarei pisar no lodo
nunca mais: eu farei um novo sonho
quando amanhã o sol me iluminar.
Vou acordar despido dos receios,
com bússola pulsante no meu peito
e a certeza de rumo guarnecido.
Vou acordar, abrir minha porteira,
preparar minha égua na cocheira
e galopar como tropeiro antigo.
*
está chegando como corte inqui
sidora está chegando pela porta
entreaberta dos fundos da memória
um fantasma vestido com cetim
rasgado como sempre há de vir
no limbo de granito destas horas
vem sempre rastejando como co
bra gigante tentando me engolir
com presas abrasadas pelo san
gue invisível que jorra desta falha
aberta relembrando que não tem
mais nada o que fazer está chegan
do como corte inquisidora está
chegando com a culpa que não tenho
*
irrompeu este solo ensanguentado
como um raio solar entre cortinas
exaustas de negar a luz do dia
e todo o universo além do quarto
irremediavelmente impregnado
com anos da rotina esmorecida
qual mancha de café na escrivaninha
em voltas circulares derramado
e seco feito um tique de relógio
irrompeu povoando novamente
com luz e movimento ciclostrófico es
te solo incandescente no horizonte
entre nós feito em duplo firmamento on
de um é para o outro sol nascente