Sete poemas de Clara Nascimento
Clara Nascimento tem 25 anos e é natural de Salvador, Bahia. A escrita sempre fez parte da sua vida desde quando se encantou em retratar com palavras pequenos sentimentos em seus diários matinais. Amante da poesia, dos livros e da fotografia, a jovem escritora busca iniciar seus caminhos com publicações que retratam o valor da sua sensibilidade. Clara atualmente mora em Belém, PA, onde exerce sua profissão principal de musicista erudita, como flautista.
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Ordinário
Pulsa em meu coração o cansaço do ordinário dever de sobreviver.
O nascimento foi um destino repulsivo ou um presente do deus Hades? o cardíaco grita com vozes ao longe
É muito mais difícil acordar às seis da manhã de um domingo do que você poderia imaginar.
Pulsa em meu coração o cansaço do ordinário dever de sobreviver.
Olho ao redor e o demasiado é humano
E o niilismo é uma sina obrigatória
O conforto vem do Buda interior ou do Jesus dos evangelhos?
Estão em silêncio ou observando as consequências?
Pulsa em meu coração o cansaço do ordinário dever de sobreviver.
Odeio o destino que a minha caixa torácica insiste em anunciar.
É demasiado todo humano que há dentro, fora e ao redor de mim.
Pulsa em meu coração o cansaço do ordinário dever de sobreviver
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Vinda da costela
Vesti sobre o meu corpo nu um emaranhado de cetim vermelho
Vesti sobre o meu corpo nu muita coragem força e resiliência
Vesti sobre meu corpo nu a Aurora dos anjos
Vesti sobre o meu corpo nu uma grande corrente energética de poder e força Vestir sobre o meu corpo nu as estrias floridas que percorrem as minhas veias escarnecidas Vesti sobre o meu corpo nu os pelos que me foram dados pela deusa do amor e do sagrado poder feminino
Vesti sobre o meu corpo nu tudo o que Maria tinha ou o que Eva desejaria ter vesti sobre o meu corpo nu a grandeza de Lilith
Vesti sobre meu corpo nu as curvas mais sagradas da existência
Vesti sobre meu corpo nu tudo que me foi arrancado
Vesti sobre meu corpo nu as mazelas das minhas antepassadas
Vesti sobre o meu corpo nu as chamas que queimaram todas as minhas irmãs vesti sobre o meu corpo nu o afeto e o amor que emana de dentro das minhas entranhas vesti sobre o meu corpo nu tudo o que há de mais sagrado neste e em qualquer universo vesti sobre o meu corpo nu a grandeza de todas as mulheres
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Metamorfose
A metamorfose que vivo é demorada.
Estilhaços por aqui e acolá
dias cinzas com gosto de lágrimas ou até mesmo, cheiro de saudade.
A metamorfose que vivo é demorada.
Ela dança por entre as minhas veias e pulsa lentamente durante o mês de julho. Hoje pensei naquele dia, que tomamos café e falamos sobre tudo e onde eu até cheguei a pensar que o amor tivesse gosto de capuccino.
A metamorfose que vivo é demorada.
Ela passa por dias de chuva, dias de sol ou dias tristes, meio como as músicas do Coltraine. Vi você outro dia, com o mesmo cigarro de sempre, com o sorriso de todas as manhãs, taciturno.
A metamorfose que vivo é demorada.
Ontem respirei fundo, um ar limpo de saudade.
Por onde a fresta microscópica do sol nos chamava em todas as manhãs de dezembro. Estilhaços por aqui e acolá
dias neutros, com a sua camiseta azul escuro
com nossos olhos, castanhos, azulados, vistos sobre a microscópica fresta de sol. A metamorfose que vivo é demorada.
Ela não acabou depois que você partiu daqui
Ou não sumiu junto ao cheiro do teu cigarro antes mesmo do café da manhã A metamorfose é continua, ela delonga-se sempre
Nos dias cinzas, nas nossas frestas de sol, nas canções que você gostava de ouvir sentada perto da janela e principalmente na nossa saudade…
A metamorfose que vivo é demorada.
*
A eternidade é uma questão de perspectiva
Imaginei o eterno dentro dos olhos dos oprimidos
Enxerguei a imensidão da pureza no coração cansado
Mais um dia, e eles nos matam
Imaginei o eterno dentro dos olhos dos oprimidos
Eles crucificam o Rei e coroam o mal
Há essa criança, que me disse muito mais sobre a grandiosidade usando somente um suspiro Mais um dia, e eles nos matam
Imaginei o eterno dentro dos olhos dos oprimidos
Há um caos e eu escolho a fantasia para não enlouquecer
Eles crucificaram o deus homem com a espada hermenêutica
Há essa criança, menino caçado pelo estado, lembra?
Mais um dia, e eles nos matam.
*
Falta de ar coletiva
Não lembro mais do meu rosto.
Observe: estamos sufocados pelas nossas próprias existências
Os loucos são todos e os insanos e cruéis lideram o sofrimento
Não me lembro mais do meu rosto.
Nem respirar profundamente.
Os loucos estão morrendo e os insanos são os nossos assassinos.
*
Felicidade industrial
Vivemos em uma sociedade obcecada pela felicidade
Repudiamos toda emoção que causa desconforto
Sente-se triste?
Anti depressivo
Ansioso?
Calmante.
Preferimos esmagar os nossos sentimentos
Ao invés de olhar para eles
Abominamos o ser em qualquer instância.
*
Nebulosa
E a solidão pura se dá neste exato momento em que você decide calar os canhões do universo.
Agora sabes: é a melhor nebulosa que já vi.