Sete poemas de Dayane Tosta
Dayane Tosta é mulher preta da periferia, professora mestra em ensino na educação básica. Mãe de Valentina e Lis. Escritora e poeta, autora dos livros de poesia “Nua e outros poemas” (2019) e “Desaguar” (2021). Participou de antologias diversas de poesia tais como “Corpo que queima” (2019) organizada por Maria Luiza Machado e “Poetas negras brasileiras” (2021) que teve organização de Jarid Arraes.
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Insegurança
O que controlo da vida quando tento ter controle?
A ilusão do controle só me causa mais ansiedade
Fiz um acordo comigo mesma
De viver o tempo presente
Pois o futuro não me perdoaria
Por adiar o aqui e agora
Diante de qualquer pre-ocupação ordinária
Em virtude da nutrição dos meus medos cotidianos
Tudo segue seu próprio curso
É natural que seja assim
E no fluxo dos meus pensamentos acelerados
Crio paranoias insanas
Que por alguma razão misteriosa
Fazem todo sentido
E com isso alimento esse monstro chamado
Insegurança
E ele se nutre de tudo que eu poderia viver
Se eu tivesse algum controle sobre a vida
Mas se eu tivesse pleno controle
A vida não teria graça alguma
E eu seria apenas uma poeta menor
Que não sabe mais como escrever uma poesia
E por isso lança sobre o papel palavras munidas do seu mais puro sentimento
Isso não é uma poesia
Talvez seja um lembrete
Não deixe de criar memórias por causa das paranoias
*
Insônia
Nessas noites de insônia
Tudo
Nada
Faz sentido
Nessas noites de insônia
Não sei se escrevo
Ou se as palavras me escrevem
Não sei se o tempo passa
Ou se sou eu que passo pelo tempo
Atravessando a tormenta e a graça de ser quem sou
Nessas noites de insônia
Um medo me assombra
A lucidez me escapa
A insensatez me toma
Tomo um gole de coragem
Porque sei quem sou
Retomo a racionalidade
Por ser a mãe que preciso ser
Nessas noites de insônia
Eu ouço a voz cantando
“Todo homem precisa de uma mãe”
E me pergunto do que uma mãe precisa?
Nessas noites de insônia
Eu me agarro à certeza
De que logo amanhece
O sol finda a minha noite de insônia
Findo o poema
Mas não desisto de mim
*
Oração
peço
que a minha alegria
não esteja atrelada
ao saldo
da minha conta bancária
que o meu sorriso
tenha mais de um motivo
e que a pressa
não me impeça de ser livre
rogo
que a ganância
não me perturbe o coração
e que a minha mente seja
abundância de pensamentos de bem
que eu experimente
a generosidade
enquanto bebo da água da fonte
que não se esgota
e me sacia de dentro para fora
amém
*
Inteira
Olhei para a janela
Não em busca de ver a paisagem ali presente
Olhei buscando a lembrança do passado
O ponto exato que me trouxe até aqui
Aqui deveria ser o meu melhor lugar
Porque o presente é o que tenho de real
Passado é criação
Futuro é miragem
Pertenço ao aqui e agora
Mas estar aqui
Me deixou pela metade
Por isso busco em janelas
A lembrança do tempo que era inteira
*
Dor
Sentir uma dor
E junto com ela
O medo de estar morrendo
Por dentro
Sem saber
Sem poder
Resolver
Não ter o poderio do corpo
Não ter poderio sobre nada
*
Vida
Padeço lonjuras
Respiro quietudes
Me aflijo por ausências
Estar aqui em minha solitude me fez sentir dores desconhecidas
Pacientemente respiro cada lamento
Sinto no corpo o gosto da doença
Sei que no meu íntimo há também a cura
Só preciso saber caminhar pelo meu interior
Pisando com delicadeza pela minha ternura
Descubro a luz que me guia
Encosto o dedo na ferida
E sinto toda textura de uma vida
*
Por que eu faço poesia
Eu faço poesia porque não me contento com o sabor do instante
Preciso sentir na pele os versos de um tempo fora do relógio
Preciso imortalizar nas palavras escritas
vivências de outrora
Eu faço poesia porque a vida não basta
O cotidiano já não me serve
E eu guardo de palavras gastas um néctar precioso
Amor: tão banal e, no entanto, num poema ele se torna vital
Eu faço poesia porque não durmo
E tenho a mente perturbada
Pelas minhas obsessões literárias
Frustrações de mulher
Instabilidades do humor
Eu faço poesia porque na última estrofe
Eu sempre encontro salvação
Alívio, conforto e paz
Me livro da tormenta que é viver
Pelo traço do verbo ser