Sete poemas de Diana Salu
Diana Salu é artista trans/linguagem, poeta, arte-educadora. Também produtora e designer, com foco em design editorial. Graduada em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília. Publica seus trabalhos principalmente de forma autônoma em zines, livros e revistas desde 2013 com destaque para o livro ‘Cartas para Ninguém’ (2019-2021, Padê Editorial), vencedor do troféu HQMIX 2020 na categoria projeto gráfico; e a história em quadrinhos “Então você quer escrever personagens trans?” (2021, independente), indicada ao troféu HQMIX 2022 nas categorias novo talento roteirista e novo talento desenhista. Publicou diversos quadrinhos curtos mensalmente nas zines ‘MÊS’ (2013 e 2016) e participou de coletâneas de quadrinhos e literatura, como a ‘Segunda-feira eu Paro’ (Independente,2019), ‘Tomar Corpo’ (Jandaíra, 2021), ‘Histórias Quentinhas Sobre Existir’ (Independente, 2021). Em 2023 lança seu primeiro livro inteiro de poesia, “Profecia”, pela editora Jandaíra. Enquanto artista se interessa por atuar em uma zona entre mídias, linguagens, expressões. A poesia como esqueleto que se desdobra em múltiplas configurações de carnes e sentidos.
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ter muitos nomes v.3
gesto tão antigo
ato de feitiçaria
característica do que escapa
ao humano
ter nome nenhum
derradeira liberdade
antiga liberdade
a inumana liberdade
em mundo de documentos
para validar memória
reivindicamos nomes
é mesmo ato de vingança
são tantos nomes desajustados aos corpos das fotos
tantos corpo desajustados aos nomes dos documentos
todo mundo tem nomes mais verdadeiros que escapam aos papéis
os nomes que lhe deram por amor
os nomes que lhe deram por temor
os nomes que lhe deram por (não) fazer parte
os nomes que lhe deram aos sussurros
deram aos gemidos
deram aos berros
os nomes que se dão no silêncio, na madrugada, quando longe dos olhares
todos têm nomes mais verdadeiros que sequer são pronunciáveis
nomes recebidos em sonhos
nomes recebidos do sangue
nomes abandonados pelo caminho
nomes espelhados nas medulas
algumas ancestralidades passam nomes pelos papéis
algumas ancestralidades passam nomes pelo sangue
e algumas ancestralidades passam nomes pelos sonhos
dos nomes dos sonhos os mais verdadeiros vividos
perdemos tantos soterrados por nomes invejosos de papel
mas alguns recuperamos e alguns já estamos guardando
nomes que nos foram passados por sangue e feitiçaria
nomes que nos apontam antes o caminho que virá
são os nomes que nos dizem:
sempre foi possível
e nossos nomes hoje já são também
transcestralidade
:
imagine um poema impossível, gigante infinito:
cada verso um nome, a cada nome sua história
quando se tornar algo impossível de seguir mapeando
terá perdido a necessidade de existir
e aí viveremos a liberdade
de não ser problema
ter (ou não)
nomes
*
memória
é segurar perto
ou deixar ir?
*
não temer a própria voz
as palavras que urgem escapar pela boca
usá-las, contá-las
e então
delas se desprender
calar-se
pelo cultivo do silêncio
força criativa do vazio
falar
como desdobramento, manifestação
movimento e troca
seu silêncio não vai te proteger
tampouco irá a sua fala
:
(ficar muito tempo no mesmo lugar
é estar em risco
mover-se constantemennte
é estar em risco)
dizer como quem não diz
aquietar como quem afirma
saber
ser presença
saber
se retirar
*
poli
nizar a vida
ouvir o silêncio de um abraço e
estar ao lado
como as plantas
raízes entrelaçadas
fungimaginando
mundos
rebelando
mágoas
abrigando
sono e vontade
energia de aprender de novo
o novo
curar / governar
*
reconhecer o chão
por onde pisaram
aquelus que vieram antes
de mim
fazer minha preces e saudações
ao chão
que me recebe
e recebeu
receberá
deixar no chão meus passos
que se percam e se misturem
às marcas já deixadas
por mim e por quem veio
quem
viveu passou amou sangrou criou morreu nesse chão
por quem virá
as palmas as solas
a barriga o rosto de encontro
ao chão
a uma história
que fica
e continua
depois que eu passe
dissolva
esqueça
*
chegar e partir
nunca morri
e de nascer não me lembro
digo,
foram já muitos nascimentos e também mortes
atravessadas no desenrolar dessa carne – eus
mas
dos definitivos surgir e partir
– o primeiro antes
e o último depois –
destes não me recordo
suspeito, porém, que se assemelhem:
há uma violência e uma travessia
algo deixa de existir
para que outra coisa se faça no mundo
há um choro e um suspiro
o primeiro, o último
qual a diferença?
uma radical mudança de forma
um lançar-se de dentro pra fora
(da vida, pra vida)
e há, claro
o espanto
este que nos acompanha por toda marcha
– agora, aqui, pode ouvir?
ouça
é este espanto que
caminha conosco
o eco da lembrança
de nossa ruptura
e continuidade
de chegada
e partida
– acontece de novo agora
nascemos e morremos de novo, agora –
ouça
é este
o espanto
um raio que atravessa a abóbada
e já foi
era eu ali
viu?
era você
vê
*
na casa dos 30
somos apenas crianças
na casa dos 30
ignoramos a necessidade de matar jubartes
ou a fome de espelhar decepções
procuramos a correria
que não leva a lugar algum
esperamos a hora da brincadeira
enquanto afogamos (em) tempos de máquina
somos apenas crianças
na casa dos 30
e apreciamos o jogo
dos nossos corpos quando juntos
desejamos a vontade
de não deixar de ter vontade
recusamos o jogo
de perseguir o que nos aprisiona
não somos livres,
mas arriscamos desenhar com os olhos,
ou os dedos,
o improviso
somos apenas crianças
na casa dos 30
e o sopro do sonho
é o que nos move o respirar do peito
às vezes suave,
quase parado
nos rodeamos de plantas
e pequenos mamíferos
pra nos lembrar do que cresce
em outro tempo,
diferente da luz que nos queima os olhos
nos deitamos no escuro,
ou à meia-luz,
procuramos o toque
e o som de nossas vozes
somos apenas crianças
na casa do 30
às vezes dizemos
que o tempo nos faz pegadinhas
mas acho que ele é nosso maior companheiro
sempre nos fazendo fracassar
quando tentamos correr na esteira
que desenharam para as décadas
– as décadas nos derrubam –
e deitades no chão sentimos
o toque da terra
descobrimos que podemos dançar
sobre os apoios dos dedos
joelhos, cotovelos, pés e
cabeças,
cujo peso rodeamos
enquanto lançamos os pés para o alto
nos equilibramos nas pontas dos dedos
e das barrigas umes de outres
nos lembramos da força que nos empurra
pra baixo
e não precisamos penetrar o espaço
em novas naus de ferro e combustível
apenas nos deitamos em companhia
para olhar as estrelas
Dri
Oi,
O poema ter muitos nomes está em qual livro?