Sete poemas de Gabriela Lages Veloso
Gabriela Lages Veloso (@_gabriela_lv) é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Já colaborou com coletâneas e revistas nacionais e internacionais.
***
Sobre viver
Minha casa é o mundo.
Navio sem porto.
Minha comida é esmola.
Chuva no deserto.
Invisível, que sou,
Ando para sempre e nunca.
*
Selene
Sou parte do universo,
mas não estou à deriva.
Sou atraída por uma
força maior do que eu,
maior do que a vida,
maior do que tudo.
Sou feita de fases.
Metamorfose em curso.
Sou o reflexo da luz estrelar.
Espelho solar.
Sou o silêncio da noite.
Um silêncio que pulsa e grita.
Um silêncio que controla as marés.
Silêncio, luz e sombra.
*
Macabéa
Com quantas Macabéas se faz
o mundo? Mulheres pacatas,
desajeitadas, silenciadas, que
quase não deixam marcadas
suas imagens no espelho.
Macabéa, até quando aceitarás
o destino que te impuseram?
Até quando permanecerás invisível?
*
A ilha de pedra
Certa vez foi dito que
Precisamos sair da
Ilha para vê-la,
Em sua plenitude.
Daqui observo os telhados,
O traçado das ruas,
O ir e vir de pessoas
Carros e motocicletas.
Daqui enxergo tudo claramente,
O verde quase inexistente,
O ar cinzento,
Os lugares invisíveis.
Daqui vejo a ilha de pedra
Edificada sobre os restos de vida,
Onde todos correm sem destino
E os dias são sempre os mesmos.
*
Anúncio
Extra! Extra! Vende-se uma casa
pegando fogo. Comporta bilhões
de moradores. Vista espetacular,
desde que não se importe com o
ar levemente tóxico, as praias um
tanto impróprias para o banho, as
temperaturas um pouco desreguladas.
Meus caros, essa casa pegando fogo
é tão grande, tão rica, desde que não
se repare nos simples problemas e
viva como se não houvesse amanhã.
*
Vênus
Folheando uma revista, deparo com
um rosto, uma história. Uma mulher
impecável, a beleza personificada.
Mas, ao observar atentamente sua
face, vejo apenas uma forma, um
esboço de vida. Folheando o grande
livro da história, deparo com uma
luta ancestral pelo pomo da discórdia.
Muitos sóis e luas se passaram, e a
pergunta permanece: quem é a mais
bela? Com o passar das estações,
em um giro pelo globo, as formas
mudaram, sempre mais apertadas,
inalcançáveis e cruéis. Talvez, em um
futuro distante, alguém compreenda
que a beleza é um espelho de muitas faces.
*
Gaia
A cada volta, um novo ciclo.
Estou presa nas areias do tempo.
Passam-se dias, meses, anos, e
aqui estou eu. Já presenciei muitas
histórias, desse ser, que em mim habita.
Como mãe, que sou, contemplei todos
os passos de meus filhos, em cavernas,
aldeias, reinos, impérios, metrópoles e no
que ainda está por vir, nessa longa estrada.
Presa nos ponteiros do relógio, observei
guerras intermináveis, o passar de incontáveis
estações. Flor, folha, neve e sol. Vi a vida
ressurgir, o amor permanecer, um novo
ciclo começar, sonho ou liberdade?