Sete poemas de Leandro Carvalho
Leandro Carvalho (1989, Santos/SP). Poeta, pedagogo e funcionário público. Licenciado em Pedagogia pela Universidade Santa Cecília e Bacharel em Sistemas de Informação pela Faculdade do Litoral Sul Paulista – FALS. Participou de uma antologia de poesia pela Casa Brasileira de Livros.
Instagram: @leandro.lecarvalho
***
Saudade inominada à meia-noite
Melancolia, em tons de azul e verde,
contrapõe-se ao vinho dessa taça
(que não mata minha sede)…
Eu olho as fotos,
e anseio por lugar que não está nas matas contrastadas,
nas estradas, nas varandas,
nem na névoa que recobre o vale
– que vejo…
Enquanto a taça se esvazia, gota a gota,
uma saudade
– já nem sei de quê, ao certo –
mais e mais se alarga.
Como se fosse uma ausência, uma cadeira vaga,
dia a dia a lembrar que um som a menos se ouvirá
na sinfonia dos talheres e dos pratos.
Como se visse silhueta no vapor detrás de um vidro,
ou se esse anseio me agarrasse no pescoço,
sem entender, mergulho de olhos postos
nessa cena desmedida
do meu próprio vão.
Da minha fraca ilusão. De crer que a mata,
que a estrada, ou mesmo que a névoa
poderiam apascentar minha manada de espaços.
No fim,
a taça está vazia…
Não houve gota capaz de transbordar
a queda d’água mal contida na garganta.
E ainda não me chegou à boca
nome algum que se adeque à saudade.
*
Confissão
Eu quis botar o verso sobre a chaga
mas era fraca a mão que move a tinta.
Inerte, qual poça de mágoa rasa
e suja. Porta que impede que eu minta.
Pensei que ao contemplar a linha cheia
teria chão – mas o instante flutua…
Desci, altivo, até Babel de letras
no papel – vi ali a efígie nua.
Tentei, teimei, qual mar que a cor altera
quando confronta a pedra pelos flancos.
Tentei… Mas um “porquê”, no fim, se nega.
Tantas questões! Tantas… E o céu em branco…
*
Barro em prece
Tijolo ou vaso – sei, de fato – pouco importa.
A mão que me dá forja espelha o meu vermelho.
E enquanto me traz forma ao fogo que me exorta,
me torna mole argila, mais e mais parelho.
Concede ao menos ser soleira ao pé da porta.
Amolda esse meu lodo à tez dos teus artelhos.
Traz sol de piedade ao chão da minha horta.
Acolhe em sopro a fome frágil que destelho.
Se um dia, com meu barro, ornar teu dadivário,
espalhe todo brio aos ares, como aves
migrando os céus em cores – sem achar conforto.
Me inunde teu conselho, e nunca o meu contrário.
Me regue a terra até que eu veja em minha trave
que só o pó é meu – baía, rota e porto.
*
Observador de árvores e pássaros
“Sou um homem doente… Um homem mau. Um homem desagradável.”
Fiódor Dostoiévski.
Era um dia grisalho.
Dia doente, triste,
de mal sem precedentes.
As árvores choravam
(ao menos parecia).
Suas folhas definhavam.
Os troncos como faces
retorcidas em queixas,
em verde-limo lânguido,
exalando degredo.
Seus galhos, incompletos,
sua ramada, disforme…
Pássaros se afastavam.
Os homens ignoravam.
Mas eu ali, perplexo,
as olhava, e olhava…
Como se fossem quadro
de saudade finada.
Era um dia doente.
De folhagens inaptas,
incapazes de abrigo
ceder contra o contágio
das cinzas desse dia
– desse dia doente.
Sim… Um dia doente.
Sem leito, sem remédio…
Cedo, brilhava o tédio
e um marasmo torcido
como a face das árvores…
Como a face dos homens.
Era um dia doente.
“Dia estranho” – diziam,
(eu ouvi) – “Agridoce,
Sufocante”- diziam.
Não podia negar,
pois eu via. Eu via…
Mas eu via suas faces.
Não as viam? Ninguém?
Sem espelho, incapazes
(como as verdes folhagens)
de saber que choravam
como os ramos das árvores?
Era um dia doente.
Eram homens doentes.
Pairando feito pássaros…
De repente, notei,
olhando para os pássaros,
que de mim se afastavam.
Era um homem doente…
*
Cinza I
As cores se encolhem pelos cantos
e canteiros, onde os brotos lutam
contra o cinza, a chuva, e ventos tantos
que o mais firme caminhar refutam.
Em cinzas, matizes decompostas
enveredam pelos vãos das casas
cinzas, abrigando-se às encostas
onde a vida evita as formas rasas.
Tudo cinza… Tudo sempre o mesmo…
Ilusão com as próprias mãos erguida
e arraigada. Vã…Vivida a esmo.
Sempre um mesmo tom da mesma vida…
Se do céu surgir um fio dourado,
Nosso olhar terá, dali, agrado?
*
Invernia
O inverno veio à espreita e sorrateiro.
Ouvi na voz dos ventos suas vaias.
As sombras vi mudar dos pés ao peito
e as folhas sobre o chão eram alfaias.
Juízo sopra forte, sem alento
– castelo esfarelado pela praia.
Medo ordinário. Dúvida que leio
nas janelas por onde o sol não raia.
Haverá luz atrás das nuvens onde
escondem-se o abalo e o desagrado?
Será? Virá a luz do mesmo lado?…
Escuto, mas a areia não responde…
Então espero que o inverno cale
antes que a sombra ao peito me apunhale.
*
Remorso sem convés
“For all we know
We may never meet again
Before you go
Make this moment sweet again”
Donny Hathaway (J. Fred Coots / Sam Lewis)
Podia rir, e não sabia.
Farto de mim, olho à deriva,
sem ver que a água me varria:
Nau nos rochedos, repartida.
Podia rir…e não sabia
da despedida no semblante
buscando céu que não luzia
– um céu insano, céu de arame…
Podia rir, mas era um dia
sem depois. Altar sem deus.
Dia que vi, pela baía,
todas as ondas de uma vez.
Podia rir e nem sorria…
Perdido mais do que pensava.
Naufrago em mim, o mar se amplia
– e a bússola estilhaçada…