Sete poemas de Milena Nascimento
Milena Nascimento é poeta e atriz formada em letras pela universidade jorge amado e em artes cênicas pela universidade livre do teatro vila velha. publicou por editora independente “a casa das plumagens”, “envelope de artista” pelo estúdio arroyo e o artigo “des-envelope: o cotidiano em uma troca mínima” pela revista apoena. como atriz, atua na reverbe território cênico.
E-mail: milenasouzaletras@gmail.com
***
quase nada fica
talvez e muito em breve
exploda
eu primeiro
explodindo
assalto a falta
entro em banheiros
de casa mesmo
finjo que sei seduzir
mais tarde
assalte-me
assim como se fizesse e pudesse
tomar consciência
consciência em meio ao nós do caos
ao negativo modo de participar desse romance
pergunta-me e diz:
não é pergunta
“amar é não ter” faz parte do acordo?
é mesmo a dobra depois do nome: “acordo”
vírgula: amar é não ter lembrar de clarice
essa frase é nossa mesmo amor?
então não é?
acha que sim e por isso pergunta
faz drama:
poderia ser:
3% de bateria com tomadas por toda parte
avisos que insistem
seguir regras
o carnaval já foi suspenso
você está atrasado
queria te dizer
avisos por toda parte
nada fica
a noite anterior
não fica
a chegada
não
o que fica querido?
o que fica?
a falta
fica amor
útero descamado não fica
esse é o nosso modo de participar
mas
não fica amor.
quando acordo
e olho o que assalto
cai e
caindo
não fica.
*
esqueço
penso
nos homens
nos homens
esqueço
pensei em um planejamento
um fragmento brasileiro
dez minutos e cem palavras
é razoável
é inimaginável querer
esqueço
sinto-me não ressentida
fluxuosa
ufa
chamamos de força-fraca
quem é que chama?
vai chegar
consolos matinais
entrego-me ao que vem
ao tal porvir
um glossário de frases
e palavras e verbos em
todos os modos ativados com sucesso
penso em
esqueço
a potência de
esquecer esquecer
repito
repetir é também esquecer
ficando à altura insisto em variações
fraca muito fraca essa menina olha só
afirmar o
esquece e não se apavora
várias neuras várias neuras de você
digeridas. comidas. fervidas em
caneca de alumínio amassada
qualquer lógica nossa seja ela a própria
não ação de re-agir
apaixona-se por
um alastre total
uma zona indecidível e imemorável de um nós de um ódio-paixão de um desejo de apaixonar-se por
anotações aleatórias entre
a falta. o animal o
queijo de búfala
lembrar de ser também vocábulo possível
um fantasma e um tanto de chantal akerman
digerida e filmada
um fragmento de
corrijam minhas anotações de hoje.
*
é como vejo os domingos:
os espelhos da minha casa
estão no sobre
das profundezas de um sofá de flores
algumas roupas nunca mais são as mesmas
após alguns tingimentos
a água sanitária tem paixão por mim
eu gosto do nosso sentimento
às vezes também sei manchar
sei me ferir ao ponto de derramar
– sangue também mancha, eu disse.
*
baby
ótima forma de começar um poema
enquanto começo o poema você apita
a rede de mensagens mais usada
neste século
então
não sei o que dizer com um poema que
começa com:
baby
eu poderia começar a falar as
muitas línguas que fico inventando
de misturar quando estou meio sóbria
quando estou altamente ansiosa
e começo a falar outras línguas
de espanhol e português
entendo um pouco e quase sempre
misturo inglês
para que nem eu entenda nada do que se pode falar misturando línguas
baby
vou repetir para tentar dizer algo com isso que escrevo
ficou tudo assim suspenso
em metade das últimas semanas
tudo suspenso e dito ao mesmo tempo
causando rancores
entre nós?
trago a pergunta terrorista
e como boa misturadora de línguas
te respondo:
sim
alguns rancores pairam sobre o ar
sobre a vontade de ficar
sobre a saudade que insiste em não ficar
sobre coisas que não querem voltar
sobre as manhãs de ligações
e cara de sono
sobre amanhecer e sentir prazer em ficar
não fico mais
durmo bêbada
sob efeito de um bom merlot chileno
durmo e até que enfim você não dorme
andei cansada de ver você dormir
mas não te disse
a coragem vem quando escrevemos poemas idiotas
mas baby
esse me parece um daqueles últimos
aquele que a gente agradece e faz o que
metade do mundo faz
agradece só para não deixar em branco
não deixar em branco
olha só
não deixarei em branco
o fato de achar que tudo foi assim
em menos de um mês e depois é mais de
um mês
o início já tão longe
o início de novembro
tão longe de hoje
me parece outro século
dois séculos
foi o suficiente para
gente como a gente
propor um tombo
tombamos na máxima
e essa vida de tombar
dói
que clichê
é óbvio que dói
mas baby
você anda ficando disposto demais a
tombar?
termino esse poeminha fajuto
e como ele começa na forma de
outra língua
dou a ele o tom de
resposta ainda que metade
disso aqui seja ungido a interrogações.
*
eu tava andando em botafogo
encontrei um café
livros por toda parte
me embriaguei de livros velhos
cafés ao lado
tinha aquele tal de Schopenhauer
Nietzsche
folheei recados
abri
fechei
li poucas coisas dos dois
preciso ler mais
me disse
daí entrei no banheiro
“pra” quê?
que eu inventei de entrar no banheiro
até então parecia um lugar parecido com Berlim
como já me disse um amigo par
você vai amar Berlim
Berlim é a sua cara
eu entendi naquele momento
quando entrei no banheiro
me senti em Berlim
já não era só parecido
era Berlim
aquele Berlim minha cara
como disse meu amigo
antes ainda era botafogo
mas no banheiro
era Berlim
eu tinha certeza
a parede
as cadeiras
quando me olhei no espelho
do banheiro
era Berlim
lavei as mãos
usei o vaso
as toalhas
o sabonete
uma mulher entra
eu disfarço bem
saí de mansinho
não comprei Nietzsche nem Schopenhauer
nem café
nem pãezinhos
mas tirei uns prints
fingi alguns costumes
sentei nas cadeiras
primeiro na roxa
depois na amarela
sorri
fingi que eu era dali
saí correndo de Berlim
louca pelas ruas
botafogo:
quero
de ti
meu Berlim
gritava.
*
coisa de artista ou modo como Olga Knipper pede passagem
penso no poema
e de como ele ficaria exposto na folha de papel reciclado
desisto do papel facilmente
o poema fica me traindo
cria os formatos dele
em telas
em paredes e janelas
em jardins que nunca foram meus
me convidam para interpretar textos
e o texto não sai
nem do papel
nem da boca
sequer do corpo
alguns não querem minha voz
e alguns me arrastam como uma marionete
desmontada de danchenko e stanislavski feito cachorrinha mesmo
eu consigo roubar bem as coisas dos outros poetas e escritores
tomo para mim como um presente dado em momento oportuno
essa semana roubei de calderón essas lindas palavras
mas nesse jogo entre calderón olga e a atriz ninguém sabe quem rouba quem
palavras existentes
em monólogos de época
rússia do czar e da czarina
penso em um álbum de fotos
sem cor definível
para trair os que me querem
eu gosto
isso sim
de menosprezar a fama
e os que me querem
e não dou conta de manter
certos rituais religiosos
logo me vejo cavando a terra
para achar o poço mais raso
e beber dessa água congelada
os homens estão congelando
continuo roubando calderón
e misturando-me a ele
e sei que mais tarde
vais querer um pouco mais de mim:
da sua atriz sua cachorra sua pequena crocodila (todos os direitos reservados a calderón)
não ousem dizer que eu o plagiei
também não ouso sujar minhas unhas maltratadas pelo álcool e água sanitária que gosto de usar em
faxinas semanais.
*
a cadeira me olha
como olhar-te de volta (amor).
a casa
esse estreito que me olha e é ignorado
se pisasse no chão e não sentisse a vontade de escrever
te olho
tento o desvio
desvio-me
tu insistes
me quer te olhando fixa cadeira amante
encontro-me no chão a nocaute da tua resposta
encontro-me e sinto-me extenuada de desejo por ti
incontrolavelmente
desejo de ti a volta
essa brecha que você deixa entre a cama e o banco de penteadeira que é agora banco do estender as pernas e depois banco de penteadeira de novo e de novo
repita a pergunta e a resposta até que
eu e tu
estejamos sentadas uma na outra
é assim que te devolvo
esse ataque teu
arremato
palavra que sai água da boca quando dita
coisas perdem-se
perdendo fios de nylon
silicones que esticam
desisto
te olhar me faz desistir de uma porrada de coisas idiotas
agora te olho e quero mais
só que você me ignora (amor)
eu gosto do seu terrorismo
repita.