Sete poemas de Paula Maria
Paula Maria nasceu em 1986, em Vila Velha, Espírito Santo. Escritora, psicóloga e artista, investigando a poesia em todos seus fazeres. Publica seu primeiro livro de poesias, Primeiros Pedaços, em 2022 pela Ed.Pedregulho. No mesmo ano, foi finalista do Prêmio Off Flip de Literatura na categoria Poesia.
***
Levar o nome da garota
Por dentro do vestido
– – –
Sílabas em compasso
Caindo no vão dos peitos
Até o infinito e de novo
*
Há dias que não sei mais meu nome
Sinto saudades do que não tem remédio
Ausência, tempo, infância, fantasia
Há dias que me aficciono numa só cor
Não vou te contar mais sobre o rosa
Berro baixo porque estou cansada
Queria comer um pastel de vento
Depois da praia e de andar bastante
Te ligar do ponto de ônibus bebeda
Diria minha vó: bebeda
Há dias em que só sei seus nomes
Duas sílabas às vezes três
Só uma vez foi quatro
Belisco meu braço porque sou do presente
Já não basta
*
carimba a ponta do dedo
contando partes pelo corpo
dois olhos uma boca
um queixo um pescoço
entre partes algumas pintas
dois peitos cicatrizes
tatuagens e um suspiro
(longo)
um umbigo a ilharga
de di lha da
sem cosquinha
não se confunde mais
depois que cresce
embora seja a brincadeira preferida
de quem aguarda
a próxima cena.
*
Sou ninguém na rua que me guia
Tenho olhos atentos ao nada
Que segue la na frente
Onde quase acaba a luz, mas resta.
Sou ninguém e hoje soube disso
Quando no aniversário de mim mesma
Tenho certeza de não ser dona do dia
Ainda que o vinte e sete
Seja escrito com meu nome.
Sou ninguém mas tenho pernas
Na rua todos não tem nome
E são donos de todos os números
Mas não dos dias.
Sou ninguém e hoje canto
Porque é tudo que uma poeta pode
Essa luz que nos resta
Essa rua que nos guia
Esse nome que nos circunda.
*
– busca
nada disso
importa ou define:
o excesso, a fome, a fé,
o diabo, o chão, o mar
sou de extremos porque
caminho no entre.
o que não importa
e nem define:
o espaço entre o silêncio e um olhar terno
o riso solto no encontro errado
o infinito de sonhos que me faço acordada
a viagem de quilômetros no vazio
a carta escrita mil vezes para ninguém
o abraço que existe só na memória inventada
uma mãe / um pai / uma casa / um átimo / uma menina
nada disso importa ou define.
para definir e importar
busquei com pena e culpa
com mãos nas páginas e pelos
com pernas jogadas contra o chão:
três beijos no escuro,
a ausência do telefonema,
os móveis que restaram,
a aliança vendida,
o cartão sem remetente,
o dente quebrado,
a mancha do vestido,
o cigarro na varanda,
a passagem perdida,
a solidão de volta,
o gosto metálico na boca,
a queda imaginária,
a morte / o renascer / a mulher / o limite / o que basta
(sou de extremos porque caminho no entre).
(publicado na coletânea “Corpos de amor e luta” do VII Festival de Poesia de Lisboa, 2022)
*
– oftalmologia
olhos de coruja
me observam a dormir
pela noite adentro.
alguém espia por entre
o sono e a vigília
alguém que procura ser
e estar. mas não sabe.
o terceiro olho
permanece atento e aflito
as horas de cão porvir
o tempo onírico
as horas nuas
tudo lhe toca a retina.
essa noite caminhei
senti as pernas passearem pelo lençol
puído de esperas e manchas.
amanheci ainda no escuro
vi a coruja por entre as frestas
do tempo e da janela.
então o terceiro olho descansou.
(publicado no livro Primeiros Pedaços, Ed. Pedregulho)
*
– caracol I
caracóis alugam terrenos
entre as muretas do meu pensamento.
molusco tem concha:
a casa própria que ninguém lhe deu.
(poema inédito que compõe meu novo livro “caminhos curtos para caracóis”, Ed. Urutau, 2023)