Sete poemas de Vilém Senki
Vilém Senki publica poesias, crônicas, contos e fotografias em seu perfil no Instagram (@vilemsenki).
***
Não escreva
tuas melhores palavras,
mas diga-as;
ainda que o céu engula
tuas tardes inteiras
num sumidouro
de nuvens imutáveis,
ou tua vida se desenrole
sob a lâmina
de um ventilador de teto
(e talvez seja a pretensão,
bem oleada,
que te traga à próxima aurora);
sob o desígnio da velha máquina
e suas cusparadas ordeiras,
quando o chão se abrir
sob teus pés descalços,
não estará lá para que te leve
(pois não guarda
tuas melhores palavras);
não deixa que se empoerem,
enferrujem,
não as relega ao esquecimento,
mas ao vento,
e esse as leva de tua boca,
e as espalha pelo mar,
pelo campo,
pois se não as escreve,
não as condena,
ao tipo,
nem ao concreto,
mas ao destino.
*
Eu tocaria algo improvisado. Saberia que fez café, do seu jeito, pelo cheiro.
Você seguiria o som, e nos encontraríamos pela primeira vez na manhã.
Se estivesse frio, te seguraria; me contaria algo sobre o que leu e porque estava errado.
Se não, contornaria seus olhos para não ser amaldiçoado. Os conheço.
Te levaria comigo, para onde sempre voltamos e de onde nunca deveríamos ter saído.
O gato nos estaria vendo, o tempo todo.
*
Eu quebro coisas; hoje foi um copo.
Escorregou da minha mão em um momento de distração,
golpeou com força a pia e se fez em pedaços
antes de atingir o chão.
Acidente de minha autoria exclusiva, claro.
Ainda assim, era como não ter mais
a força do passado; não entendi como aconteceu
até investigar em mais profundidade.
O problema estava nos nós de meus dedos;
eles se tornaram pedra. Assim,
não se dobraram até o fim,
não resistiram como deveriam, não responderam
muito bem aos meus estímulos.
Mas essa era a realidade agora, então me adaptei.
Me adaptei como pude.
Antes dos dedos foram os braços e as pernas, e antes delas,
os ombros e quadris, e antes deles, o abdômen, o peito,
e antes, antes foi por dentro.
Era viável viver assim, me disseram. Era plausível;
carregar todo esse peso, essa carapaça áspera,
e ser pleno, funcional, cidadão,
executar minhas tarefas, ser útil à sociedade.
Não me movo tão rápido como antes, é verdade;
sem agilidade, busco formas mais eficientes
para fazer o que preciso.
Não há tempo que não utilize da melhor maneira.
Também não sonho, não mais. Mas
durmo como nunca antes, incomum.
“É assim que viramos pedra”, me peguei
dizendo frente ao espelho num dia desses;
“finalmente aconteceu.” É conveniente, acho que até o melhor assim;
bato mais forte e sinto menos,
muito menos.
*
Me desfarei às sete,
de forma planejada,
peça por peça
(cada uma
das minhas partes
tem sua própria caixa).
E buscarei sensos nas
correntes do mar profundo,
seremos submersos naquela praia
junto das pedras e das linhas na areia
(quero que saiba
que faltará tempo,
os relógios ainda
aguardam resposta).
Terei sido refeito à manhã,
descoberto ao tardar,
e conduzido porquanto fluente.
*
Põe-se a dizer tuas rimas
que acolho-te as dores,
construo vasta coleção
de beleza introspectiva.
Faço dessa uma das rotinas;
recolher-te os pensamentos,
para dentro do que é-me íntimo.
O imenso mundo contido neles,
cada qual jamais perdido.
Um fardo que, não compartilhado,
torna-se mensura da angústia
carregada com leveza e graça.
Esconderijo para o que é intenso
e sobrevive em cada janela
à noite.
Pensamento alheio.
Lugarejo secreto
para onde levo
minhas pessoas raras.
E o horizonte, que sempre fascina,
e o voo que nos encima a vida.
Ainda que nos falte noite.
*
Tomo para mim
toda simplicidade
que me toca.
Mar que ensaia, ensaia,
mas não deixa a praia.
Perguntas, quaisquer delas,
só pra ouvir falar.
Dia lento e doce;
acorde solto,
bem desenhado.
Olhar para cima;
que ainda faço,
de onde busco
meu inexato.
E é súbito, notar
quem mais o faz,
talvez sejamos mesmo
desse mundo inato.
Tomo para mim
toda simplicidade
que me toca,
e o segredo sempre foi esse;
o som, seja qual for, e o toque.
*
Ninguém estava prestando atenção,
então ela se fez flutuar,
deixando para trás um de seus sapatos.
Já não queria mais manter os pés no chão.