Sete textos de Jean Nascimento
“Eu sou Jean Nascimento, um escritor jovem que vem do reconcavo baiano, negro, estudante de historia na Univeridade Estadual de Feira de Santana. Escritor desde que me entendo por gente e entendo que escrever é a coisa mais dolorosa e difícil que posso fazer, já que tenho que assumir e aceitar minhas fragilidades, mas não largo mão disso. “
***
A MÚSICA TOCA.
A música toca lentamente no meu velho rádio de pilha, acho que ninguém mais tem rádio de pilha além de mim, mas foi uma das poucas coisas que me sobraram do meu avô que não seja um relógio quebrado, uma lanterna que quebrei e algumas poucas fotos e velhas lembranças do velho. A música toca de forma que pareça formar uma sinfonia de adeus, mas, quais sinfonias não são de adeus, no mundo em que tudo é despedida.
A música toca, na mesma medida que dispara o desfibrilador para tentar trazer de volta um velho coração cansado que cansou de lutar, ou que não aguentou mais lutar, a cada disparo, a cada pulsação uma dor maior em um forte coração que espera com ânsia uma resposta, que convenhamos, nunca é boa.
A música toca em um velho bar, em uma esquina suja qualquer, com velhos sujos sentados a velhas cadeiras sujas, bebendo um velho conhaque, nada melhor que um conhaque barato e uma música ruim tocada por um som rouco, para esquecer tudo que perdemos.
A música toca, dessa vez em um lugar triste e fúnebre, toca mais baixo que o comum e de forma mais lenta e agressiva que em qualquer cd de AC/DC que com certeza quase ninguém ouviu, o refrão se repete a cada gole de uma bebida que não dá pra saber qual é nem pelo rotulo desgastado, nem pelo gosto envelhecido e esquecido por um paladar nada aguçado, se repete com cada remédio ingerido, com cada lagrima derramada, com cada palavra escrita por um poeta amargurado e enlouquecido beirando o suicídio, prestes a cair em um precipício sem volta, um poeta que tem a depressão batendo a porta, está louco para conhece-la, mas está bêbado de mais para conseguir levantar. A música toca, dessa vez em um lugar onde a luz foi cortada, onde o amor já não passeia faz tempo, onde a solidão de maior veneno passou a ser uma rotina cruel, a música se refaz e se reescreve nas lacunas da alma a cada dia que passa.
A música toca, até que seja conquistado o amor. A música toca, até que a traição destrua mais uma história de amor. A música toca, até que tudo recomece.
A música toca entre barulhos de granadas e tiros, nunca parou de tocar, nem quando Roma queimou nem quando o Titanic afundou, músicos fazem de tudo na guerra e no amor, mas não é momento para Guns and roses, talvez pink and Floyd.
Na frente de casa, todo dia, o cachorro latia e um pássaro qualquer cantava.
A música toca, na medida em que o álcool faz efeito, na medida em que a chuva cai, na medida em que uma esposa qualquer em um hospital qualquer, grita de desespero por uma perda inesperada que se passaram anos e talvez nunca cicatrize, na medida em que o céu desaba, na medida em que me perco nos tempos verbais, na medida que me arrependo de não ter aproveitado, na medida em que percebo que não se pode voltar atrás.
A música toca, como num velório, as lágrimas, as pessoas, o mundo em volta, tudo por um mesmo fim, escutar a melodia que se findava junto com o fechar do caixão.
A música não toca mais.
*
MOMENTOS
Hoje a saudade apertou um pouco mais, chorei, como criança que quer o colo da mãe, mas a mãe está longe.
Hoje eu sofri um pouco mais, como um soldado ferido na guerra que sabe que não voltará pra ver sua amada.
Hoje eu me arrependi um pouco mais, como um detento que derrama lágrimas afastado da criação do filho.
Hoje eu tentei escrever, mas, continuei sem conseguir, acho que estou afogado de mais em lágrimas pra desaguar no papel.
Hoje eu não comi, a comida ultimamente está sem gosto, e por incrível que pareça o café também está, acho que nem o café mais forte consegue me fazer sentir algo, nem o whisky mais forte me faz sentir algo.
Hoje meu cachorro estava triste, ficou deitado o dia todo, só levantou pra comer e pra ficar um pouco na frente da casa, ele estava muito mais feliz que eu.
Hoje eu passei mais um dia sem falar com Deus, ou melhor, mais um dia sem ele falar comigo, antes éramos amigos, mas estamos tão distantes.
Hoje eu mal falei com minha mãe, como sempre não senti falta de um pai, e me senti sozinho mesmo com tudo que tenho.
Hoje eu senti falta de uma pessoa que a vida me tirou, mas é normal, pelo menos eles dizem que é normal, a morte é normal, a saudade é normal, a tristeza é normal, mas eu continuo sem entender.
Hoje eu pensei em me matar, como muitos dias monótonos em minha vida, mas não vai ser hoje.
Hoje, eu pensei, me perguntei se eu realmente estou com depressão, tenho alguns sintomas, mas nunca quis descobrir, acho que tenho medo da resposta, seja ela boa ou ruim.
Hoje eu chorei, como um pai que enterra um filho, como um filho que enterra uma mãe, como um dono que enterra o cachorro, como um irmão que enterra uma irmã, chorei como uma criança que eu deixei de ser aos doze anos quando senti a ausência de um pai.
Hoje eu desisti da vida, mas, amanhã começo novamente, vou demorar um tempo sem sonhar e no fim vai dá tudo certo, a saudade é companheira então não espero superar.
Hoje eu tentei escrever, assim como ontem ou anteontem, continuo sem conseguir, vou passar um café mais forte do que os outros, quem sabe amanhã.
*
ÂNSIA
O tempo foge entre meus dedos.
Pensava que tinha o mundo em minhas mãos.
A existência esconde de mim seus segredos.
E sinto que ouvi apenas verdades em vão.
O sentimento de insuficiência me assombra.
Me transforma.
Minha sombra.
Me completa, me transborda.
E depois me deixa.
Só.
Vai embora fazendo queixas.
E diz que assim é melhor.
Com isso a vida vem atrás de mim, faminta, esfomeada.
Ansiada.
De vontade de me ter.
De me consumir.
De não se abster.
Me abater.
Me destruir.
Me reconstituir.
E me devolver ao nascimento.
Já fui pó, já fui renascimento.
Vi Cristo.
Vi bispos.
Vi homens e demônios.
Fui a igrejas e a pandemônios.
E a vida deseja se satisfazer de meu corpo.
De outra forma.
Eu ofereço meu copo.
Ela ignora.
Me possui.
De formas que só uma mulher sabe fazer.
Eu nem sei mais quem eu fui.
E provavelmente nem o que dizer… …
Os séculos me deixaram pra trás.
O mundo já não mais me nota.
Me sinto incapaz.
Sinto o gosto da derrota.
Me sinto estupido.
Vejo meu corpo em mármore escupido.
E meu peito chora.
As vezes até demora.
E faz muitos ecos.
E como sempre é ignorado por meu ego.
E novamente as três da manhã me sinto morto.
A morte já não mais consome meu corpo.
Me deixa encontrar com cadáveres de poetas vivos.
Mortos por dentro com lamentos cansativos.
Já saciados da famosa sede de poder.
Sede de saber.
Abnegado de vontade de viver
Já que por dentro tudo em ruptura.
Nenhum deles conhece o que o próprio peito
seguro… Nem eu…
*
DESESPERO
Desespero, de secar o copo e nem sentir.
Lavar o rosto e a alma continuar suja.
Correr e não progredir.
Olhar em volta e tudo me dizendo “fuja, fuja”.
Desespero.
De usar colírio e os olhos ainda verem o mal.
Limpar os ouvidos e continuar a escutar vozes.
Ter a alma corrompida por um sentimento carnal.
E desejos ferozes.
Meu fígado já está aposentado de tanta decepção.
Seguiu o mesmo caminho do coração.
Meus dentes rangem.
Meus gritos ecoam.
Sempre que palavras violentam minha alma um dia virgem.
À medida que aumenta a dor meus sentimentos voam.
A dor da perda de alguém importante.
Sinto todo dia.
O desespero.
O medo.
De sentir que a morte se aproxima.
De lembrar que eu era um bom filho e me perdi.
A inquietude de me procurar por todas esquinas.
E saber que nunca estou por aqui.
Sinto saudades de minha mãe, mas não sei pedi perdão.
Deus é meu pai, mas não sei mais como fazer oração.
Nunca soube rezar.
Nunca soube chorar.
Nunca soube me prostrar.
Talvez por isso sofra tanto.
Leão no Coliseu aos prantos.
Aguentando aos poucos.
Enquanto guerreiros vem aos montes.
Sobrevivendo com tão pouco.
E morrendo por instantes.
Meu peito chora sangue e eu não sei como fazer parar.
Sangue, muito sangue, eu não sei o que acontece.
Minha taça na mesa não tem mais vinho.
Meu espírito apodrece.
Enquanto meu corpo decompõe sozinho.
Os homens a mesa já não têm o meu sangue nas veias.
Os homens a mesa querem meu sangue em suas taças.
Eles querem tomar minha ceia.
Eles querem minha casa.
Eles querem minhas asas.
Eles querem tudo que eu tenho.
Querem minha alma.
Até meu desdenho.
Tudo se resume a sangue.
Puro sangue.
Hienas querem meu sangue.
Mosquitos tem meu sangue.
Leões mais novos e fortes querem meu sangue.
Eles querem meus pensamentos.
Meus sentimentos.
Querem minha escrita.
Minha vida.
Mas não sabe como é estar em guerra com si mesmo.
Viver a esmo.
Se querem meu sangue e meu trono, não lutarei.
Deixarei.
Que tomem.
E se matem.
Esse é o preço a se pagar.
A vida.
*
FRAGILIDADE
Mais uma noite sombria sob meu olhar delinquente.
A copos na pia e eu não estou contente.
A varanda vazia é tão deprimente.
A janta está fria, mas o café está quente.
Essa noite é minha e eu só penso na gente.
Apenas mais um dia que se foi de repente.
O violão está velho, as cordas quebradas.
Eu estou velho, cansado da estrada.
Me sinto de ferro, pernas enferrujadas.
Eu grito, eu berro, eu faço burradas.
Não sou mais sincero, tenho a alma pesada.
Rio quando erro e faço piadas.
A gaita está velha, tanto tempo parada.
Minha criança está velha, não se encanta com nada.
Minha voz está velha não canta mais nada.
A morte na porta, e a alma na mesa.
A poesia está morta, só me restam certezas.
O café acabou só me resta a cerveja.
O mundo restou e se foi a beleza.
A comida sem gosto, parecem minhas palavras.
A janta, o almoço é o mesmo que nada.
Vejo meu rosto e me restam as mágoas.
Me sinto morto entre bares e escadas.
Preso e rouco só com minhas lágrimas.
Com certeza estou louco a troco de nada.
No fundo do poço ou jogado numa calçada.
Dentro do bolso um cigarro e uma carta.
A tristeza no corpo chega sem hora marcada.
Recebo conselhos que eu nunca peço.
Enxergo no espelho todos os meus versos.
A tempo não estou ileso das coisas que prego.
Encontro meu medo pra poças os confessos.
A tv observa todo meu regresso.
Procuro aquele vestido por cada vitrine.
Em você era lindo parecia em um filme.
Mas não.
Falta de juízo é o que me define.
No meu rosto sorriso é a prova de um crime.
Não tem improviso que me anime.
Com certeza eu sei o que eu preciso.
Nas não sei escolher serei sempre indeciso.
*
CASA
Meu coração é uma velha casa, cansada, com as janelas quebradas.
Meu coração é uma velha casa, em que as pessoas vêm passear, mas nunca pra ficar. Meu coração é uma velha casa, onde uma velha fazia café todos dias, mas hoje… Está vazia. Meu coração é uma velha casa, suja, mal cuidada, com a porta trancada e as janelas quebradas.
Meu coração tem uma cama surrada, onde noites frias foram superadas, mas as janelas ainda estão quebradas.
Meu coração é uma casa velha, de vez em quando alguém pensa em reformar, mas eu nunca disse que era fácil me amar.
Meu coração tem uma velha varanda, onde houve muitas músicas e danças, mas na velha cadeira de balanço, hoje ninguém mais se balança.
Meu coração está sem energia há um tempo, às vezes vou só ao quintal, eu pego uma cadeira e me sento, pego um cigarro e acendo, pego um copo de café e esquento, nada pior que um café requentando enquanto houve os próprios arrependimentos e olha o vidro da janela quebrado.
Meu coração é uma velha casa, em uma rua esburacada, eu sou um mundo acabado…
Meu coração é uma casa velha, com as paredes descascadas, cheia de arrependimentos e promessas quebradas.
Meu coração é uma casa abandonada, largada, deixada, esquecida, até por mim.
Meu coração é uma casa vazia, onde tem esperança e café derramados na pia, onde as pessoas se encontram em uma noite, mas nunca ficam para o dia.
Meu coração é um velho troféu.
Meu coração é uma casa velha, onde tem um quadro pra ser pintado, mas não tem pincel, meu coração é um lugar cruel, em algum lugar está meu cachorro fiel, vou me sentar a varanda e ver o céu, é tudo que me resta…
*
RINGUE
As pernas são as primeiras a falharem, tremedeira, fraqueza, você olha em volta e não tem pra onde correr, o coração acelera e percebe que não tem direção que seguir se não em frente.
Ele está lá, em pé, forte, com semblante intransponível e passa uma imagem amedrontadora, claro que você não iria querer estar em um ringue com esse monstro, quem iria querer? Mas você está, não tem pra onde ir.
Ele respira forte e sorri impassivelmente, é um desgraçado, ele vai te matar, você sabe disso, eu sei disso, toda a plateia sabe disso, mas ninguém está nem aí, todos viemos pra ver sangue, inclusive você, mas você não esperava que hoje fosse o seu, você não tem culpa, eu não tenho culpa, ele não tem culpa, ninguém tem culpa, você não escolhe seus oponentes.
Ele se aproxima de você, como um leão se aproxima de um pequeno coelho, ele rosna e ameaça te desferir socos, mas não faz, apenas acha graça dos seu medo.
A cada passo que ele dá em sua direção parece que o fim está mais próximo, acredite, foi assim comigo.
Neste momento os seus olhos já não querem ficar abertos, você luta para que fiquem e consiga ver a destruição em carne e osso, sua respiração fica ofegante, talvez você tenha até um ataque de pânico, é normal, não vou te culpar.
Ele te acerta o primeiro soco e você cai, junto com você caem todas as esperanças de sua vida, todos os sonhos da infância, você fica ali caído vendo o juiz contar, quando chega no oito aparece uma pequena criança que sorri pra você, nesse momento suas pernas não tremem mais, você se levanta e está pronto, a morte já pode vir com tudo.
As frases de pessoas que você gosta, de filmes, de pessoas que você não gosta, todas vem à mente, a cada soco que você não consegue desviar, a cada soar de gongo que você cai no canto sangrando como um porco no abate, suando como um corredor derrotado, a cada momento que sua vida se esvai entre as próprias mãos enfaixadas.
Você sabe que não vai sair vivo, eu também sei, todos que estão olhando sabem, mas algo te faz levantar e lutar mais um round, alguns não chegam aos trinta, alguns passam do cinquenta, mas o que todos tem em comum é que em algum momento, a vida te acerta um soco tá forte na fuça que você não recobra consciência, aí, você se foi.