Quatro textos de Gênesis
Poeta, slammer, performer, contadora de histórias e atriz. Gênesis é uma das organizadoras do Slam das Minas RJ. Especuladora do futuro, conta histórias e cria mundos fazendo da própria vida um campo de pesquisa. Livre, crê na arte e na tradição oral, na relação entre corpo e consciência. É especialista em utopias contadas ontem para construírem um novo amanhã, ao que chama de “Memórias de Futuro”. Em seu novo livro “Terra Santa”, Gênesis compartilha um testemunho poderoso e silencioso ao tempo e a todos os seus renascimentos. Um livro que oferece uma reza ao universo e aos processos internos. É um livro que fala sobre esquecimentos e faltas, mas acima de tudo sobre acolhimento e afeto. Gênesis desenha um risco entre o segredo e a coragem, e sela com a língua dos deuses, oferecendo aos leitores um convite para entrar em um mundo desconhecido e misterioso, mas que é iluminado por sua própria experiência.
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- Escrevo sobre Deus porque é minha natureza. Tudo é sagrado nesse corpo pilar de sustentação do mundo.
- Escrevo sobre Deus porque enquanto eu trazia Deus ao mundo ele gritava meu nome. Deus meu filho, fez templo berço nessa casa corpo. E cresceu menina preta, pés descalços, canela russa, que sabia palavras, lia livros, contava estrelas e falava coisas profundas como buracos negros
- Deus brinca o tempo todo dentro da minha cabeça. Deus pega um giz e traça uma porta na parede. Deus quer sair e brincar lá fora, mas tenho medo de abrir a porta pois conheço suas brincadeiras, são perversas. Perversas como só um Deus pode ser. Mas também são inocentes, tão inocentes que penso que Deus estaria em perigo lá fora.
- Deus sabe que é preciso ter muito cuidado com as palavras, por isso ele fica em silêncio e desenha o mundo com imagens da sua cabeça. A palavra manifestada é apenas o pensamento de Deus. Deus jamais disse uma palavra sequer, a palavra disse o homem ao criar Deus. Para o homem Deus nunca foi pensamento, por ser impossível de ser pensado. Antes mesmo da fundação dos mundos, Deus está sentado, resguardado em silêncio e serenidade. Não cantam os anjos, não tocam os sinos. Deus está só no firmamento e conhece a força do seu pensamento, pensou o bem e o mal, e pensou o silêncio para que não pudesse se influenciar. A onipotência de Deus está em ser ambivalente, ele esqueceu sua face, ele recria novas faces com os mesmos traços da esquecida. Caducou Deus de silêncio e solidão, mas está firme na sua vontade.