Trans-eco: vozes que se somam – Por Esteban Rodrigues
DHIEGO MONTEIRO
Um
Só mais um
Só mais um número
Mas sem dado, sem pesquisa, sem estatística
Só mais um pra ser chamado de uma
Só mais um que tem medo de andar nas ruas
Seja de noite, seja de dia
Só mais um que vai ser chamado
De viado ou de puta
Só mais um que vai ser perseguido
Pelo fato de não ter falo
Que vai ter que esconder o peito
Em dobro
Só mais um manchando o chão da cozinha
Da igreja, da escola
De casa pra escola, da escola pra casa
Com o sangue invisível, esmagado
Só mais um
Só mais um zero
Dhiego Monteiro: Criador de conteudo no instagram @dhimonte. Estudante de doulagem na FioCruz. Ativista pelos direitos sexuais e reprodutivos LGBT+.
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LU LENTZ
Questão de meridianos
Da escuridão pode nascer uma ilha de luz
A esperança com seus seios debruçados sobre as montanhas de algum lugar bonito e triste
Não tem como ela ser bonita, já que é filha do desespero
Mas tem como esquentar
A esperança é uma bebida feia
Você só descobre a fonte da dor quando olha pra ela “Bom dia, senhora”
E ela com seus olhos maldosos te responde “Vou te mostrar o bom dia” e arreganha as gengivas
Então você para de temer
Afinal, já rasgou tudo (tudo mesmo)
Laceração continuada
E como um retalho de céu azul uma voz te diz que há um lugar pra você “Aqui não temos medo de andar na rua”
Será que ela sabe o quanto isso é importante? Ela vê a mata de espinhos em sua mente?
Se você respirar errado acorda o monstro das narrativas cruéis
Quem pensa em tudo isso? Culpa por carregá-lo no ventre
Vergonha quando tenta abandoná-lo
“Por que isso aconteceria com você?”
Porque sim, porque sou louca, demente, e estou perdida
Perdida no labirinto criado pra acabar com gente como eu
Gente feliz, gente cheia de poder e força e ideologias
Agora essa gente tem espinhos no cérebro
E no coração,
Só esperança.
sou tantas coisas para resumir, mas profissionalmente atuo como astróloga e escritora na @meiodaterra há cinco anos. publiquei meu primeiro livro, “uma taça de água do tamanho da sua silhueta”, em 2021 por editora própria. minha vida se direciona para a busca de espaço interno para que possamos fluir em liberdade e força. escrevo o que me transborda.
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THIELY
Vício
Seu olhar constante
Perdido na minha pupila
Desliza devagar
Buscando segredos
Encontrando surpresas
É quando os olhos arregalam
A boca saliva
O toque acontece
A alma umedece
Um arrepio invade e…
Não existe mais visão
É só o tato que vê além da pele
Que molha os dedos
Encharca e escorre no gozo perfeito.
Num arrepio gostoso e contínuo
Viciei em você procurando meu eu.
Tiely é multi-artista e cria da Zona Leste de São Paulo, considerado o primeiro HomemTrans do rap nacional e vem desde o início da sua carreira no final dos anos 80, colecionando atuações importantes nas artes em geral. Insta/Twitter/YouTube Artista: @tielyqueen – Insta Produtora: @h2mproducoes – Insta POESIA ERÓTICA: @transcorpoético – FACE: @tielyqueenartes.
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Assinada por Esteban Rodrigues, Ogiva Transpoética é coluna autêntica. Com desvios, inclusive. É um espaço de percepção, reflexão e interação, onde se alimenta a vida com vida. Atravessado por textos ensaísticos e poemas motivados, não apenas em primeira pessoa, aqui vai repousar a realidade bruta do que alcança a transgeneridade de forma sistemática, social, emocional, violenta, afetiva e política. De quinze em quinze, para dar tempo de processar/digerir/degustar a palavra lançada, haverá reflexos de pesquisa e de poética transcrita e exposta a céu aberto. E, ocasionalmente, o tempo feche após isso. As letras aqui dispostas passearão por espaços julgados não nossos: filosofia, literatura, política, teatro e rua. Tudo para dizer o que há muito é dito, crendo dessa vez no espaço da escuta. Essa coluna, que alcança tantos corpes no mundo, existe para mostrar que aquilo que grita também pode ser chamado de cura.
Esteban Rodrigues, 25. Homem trans, negro, do subúrbio de Salvador. Autor das obras Sal a gosto (2018) e Com mãos atadas e como quem pisa em ovos (2021). Integrante das coletâneas Poemas de Amor e Guerra (2021), Corpos Transitórios (2021) e Transmasculinidades Negras (2021). Graduando em Letras Vernáculas com Língua Estrangeira Moderna (UFBA). Pesquisador de gênero e raça, escritor, professor, produtor cultural, roteirista, multiartista. Diretor Cultural do Mister Brasil Trans, 1° concurso do mundo e no universo da moda focado em transmasculinidades e suas representações. Integrante dos coletivos TransPoetas e CATS.