Trecho do romance “Fumo” de Juliano Costa
Nascido em 1990, em São Paulo, Juliano Costa, como músico, já lançou, pelo projeto Primos Distantes, os discos Primos Distantes (independente, 2014) e Primos Distantes Ao Vivo (EAEO records, 2015). Em carreira solo, lançou o álbum visual A Trilha da Trilha (independente, 2020), o disco Barco Futuro (selo Ei Som, 2021). Também está trabalhando em seu próximo disco solo, Vida Real, com previsão de estreia para 2024. Como escritor, no momento, participa de um projeto que homenageia a Navilouca ─ revista de poesia e arte que circulou no Brasil numa edição única em 1974. Além de Fumo, o autor publicou um conto no livro Leia esta canção: Beto Guedes, da editora Garoupa, uma coletânea de histórias inspiradas na obra de Beto Guedes, músico montes-clarense e notório membro do Clube da Esquina.
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Trecho do romance Fumo de Juliano Costa
Dia 3
Humildade e Força
A música do Super-Homem começa a tocar baixinho, a câmera filma a rua, olhando para baixo, a menos de 20 centímetros do chão. O asfalto passa rápido na tela. Algo está se movendo em velocidade. Surge um par de pés, calçando tênis de corrida, os pés estão se movimentando, alguém corre muito rápido. A música do Super-Homem passa a tocar mais alto. A câmera vai filmando cada vez mais de cima. Subindo aos poucos. É possível ver um par de pernas também. São pernas fracas. Mas esforçadas. Agora já se pode ver a cintura do corredor. É um homem na casa dos trinta. Nem magro nem gordo, roupas de corrida, da nike. Shorts e camiseta pretos com listras brancas. O corredor parece estar dando tudo de si. A câmera agora mostra seus ombros, tensos, os braços balançando desengonçados. Conseguimos ver seu rosto. Sou eu. Pareço determinado. É uma corrida de rua, muita gente atrás das cercas torcendo por mim, gritando o meu nome, me chamando de herói, gritando “vaaaaamoooo caaaraaalhoooo” em câmera lenta, como naqueles replays de transmissão de futebol na globo, quando é claramente perceptível que o torcedor está falando um palavrão. Eu tento sorrir, mas é impossível com o nível de esforço que meu corpo faz. Todas as energias voltadas para um único objetivo. A música do Super-Homem a todo volume nos alto-falantes. Vejo a linha de chegada. Acima dela uma faixa, com as letras oficiais da prefeitura: Parabéns, você parou de fumar. Eu dou o gás final e chego com os braços abertos, já comemorando a vitória. Como Vanderlei Cordeiro de Lima, cruzando a linha depois de enfrentar o padre irlandês, chegando em terceiro mas comemorando o ouro simbólico. A multidão vai à loucura. Em comemoração, paro de correr e abaixo minha cabeça até que ela fique entre os joelhos, estico as mãos até a ponta dos pés e digo baixinho, com os olhos fechados: humildade. Em seguida, ergo o tronco, olho para o infinito e coloco as mãos na cintura, fazendo a pose do Super-Homem e digo, projetando um pouco mais a voz: força.
Humildade e Força é o lema do herói que eu me tornei, o herói que tem um único, ainda que incerto, superpoder: não fumar nunca mais.
Olá, Laura! Tudo bem?
(Foto Juliano Costa, crédito de Thany Sanches).