Três poemas de Alexandre Marzullo
Alexandre Marzullo (Rio de Janeiro, 1985) é músico, compositor, escritor, poeta e tradutor. Mestre em Letras (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lançou o álbum Primeiro Oceano, para violão instrumental, em 2019 pelo selo Dubas Música.
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POEMA DOS AREAIS
Para Abdaljamil
as gaivotas recortam o céu em asas negras, e
as ondas se dobram esbeltas,
cavalaria do profundo em pescoços de jade.
destino acima do destino: mil caligrafias
em tudo o que os olhos, queimados, beijam:
se a solidão for um anjo, olhar o anjo nos olhos.
se a solidão for um anjo.
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ROTHKO CHAPEL
dentro do silêncio, a vibração
de um sentimento indefinível, como marca
do incriado; dentro do silêncio. ou então, como um mito
que nasce devagar das entranhas
do halo demente da terra –
chama
polissêmica: nasce devagar o incriado.
me faz pensar que a santidade é feroz,
e mais do que austera, é violenta. a santidade
de uma violência sem palavras, pura cor. porque
dentro do silêncio, as emoções convergem: cor.
mas repara como é numinoso
o carmim:
não é necessário rezar
quando se contempla o carmim
*
CRIVADO COM UMAS SETAS DE AMOR
Para Jorge de Lima
estou deixando a escrita ditar
estou deixando a mão, o pulso, o ventre
a voz do corpo, além da vista
além do termo, o ermo, além
a escrita dita, oculta em luz
oculta em cor, oculta, dita
há os que escrevem cavernas
outros engendram o céu
não sei se é céu,
não sei se é terra;
talvez o que eu escreva
seja somente ela.