Três poemas de Cátia Cardoso
Cátia Cardoso (26 de julho de 1997) é Doutoranda em Sociologia na Universidade de Coimbra (Portugal). Mestre em Cinema (2020) pela Universidade da Beira Interior e Licenciada em Comunicação Social (2018) pelo Instituto Politécnico de Coimbra.
Profissionalmente, trabalhou alguns anos como jornalista de imprensa, foi locutora de rádio e projecionista de cinema. Ocasionalmente, é apresentadora de espetáculos culturais.
Cátia Cardoso publicou “Poesia Silenciosa” (2014), “Linhas Delicadas” (2016) e “Antes que o amanhã se vista de fogo” (2021). Participa regularmente em atividades de debate e promoção cultural.
***
Quis escrever na areia um poema em inglês
para o universo inteiro saber
desta emoção platónica assolapada
Lembrei-me então que o mar apagá-lo-ia.
De qualquer forma
se conhecesses a minha língua saberias
que é em português que me expresso plenamente.
_______________________________
Sou um verso libertino com ânsia do pecado
devasso e confuso
perante a transformação da carne em prazer
não sei do pudor nem da culpa
sou só poesia em forma de corpo
prostituída em palavras sem ressentimentos
olho-me quando escrevo
quando me leio nas dores
e me masturbo para o papel
sou verso libertino
independente do poema
nunca serei livro
_________________________-
Maria Rosa não chora
ninguém sabe se guarda mágoas ou emoções
Maria Rosa não beija, não abraça
ninguém sabe se já amou
mesmo em cinco décadas com o mesmo homem
Maria Rosa nunca chora
quando fala da mãe, do pai, dos irmãos, da filha
que o tempo e as doenças fizeram sucumbir
entra-lhe sempre uma rajada de incómodo no olhar
mas não chora
limpa os olhos, tão vermelhos, com um lenço de pano
enquanto pragueja “porra, que me entrou um cisco”
os olhos muito doridos e humedecidos
o cisco na expetativa de existir
a carga dos oitenta anos de vida
aparentemente amargurada e desamada
e Maria Rosa sem chorar
é só um cisco que, curiosamente, lhe envermelhece o olhar
lhe humedece a face sempre que se fala
de quem morreu.
Luiz Alberto Schwab de Mello
Maria Rosa é minha mulher há cinco décadas. Com oitenta e um anos, não chora. Quem é a sua Maria Rosa, Cátia?