Três poemas de Divanize Carbonieri
Em Grande depósito de bugigangas (Carlini & Caniato, 2018) de Divanize Carbonieri, um espírito inventariante e catalogador percorre um mundo entulhado de coisas pequenas e imensas. Cada poema do livro se origina do encantamento diante do instante observável, produtor de uma epifania a respeito da condição de se estar vivo. Reflexões sobre a presença constante da morte e a perda inexorável de tudo o que é estimado aparecem imbricadas na construção dessas cenas poéticas. Os poemas abaixo integram a coletânea.
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Empório
no empório de sonhos enfeixados
estão os mascates e os compradores
barganhando itens enferrujados
produtos fajutos de contrabando
espólios de incontáveis pelejas
arrancados dos campos de batalha
e dos corpos dos inimigos derrotados
despojos de guerras sanguinolentas
agora emperrados nas gôndolas
desse grande depósito de bugigangas
ilusões empoeiradas à escolha
de todos os catadores de destroços
que emprestam seus esforços
para a recolha dos cacos de sonhos
que serão partilhados por loucos
e sãos até que se pereça o tempo
*
Vereda
no amuleto está escrito
o mantra da prosperidade
mais um penduricalho
em torno do pulso
no cordão dorme o escapulário
padroeiro protetor
o acordo feito com o santo
assinado e protocolado
na guia de miçangas coloridas
outro crucifixo agarrado
ao retrovisor dança em círculos
mas a vereda é incerta
até agora a resposta é o silêncio
aos gritos de angústia
mesmo a alegria não tem eco
na mansidão do caos imenso
*
Ogiva
nessa febre cuiabana
uma ardência
de ar incendiado
uma cratera de vulcão
atmosfera abrasada
faíscas convulsionadas
convolutas estrelas
incandescentes fachos
o céu em colapso
freneticamente aceso
esse peso radioativo
ativado sobre nosso crânio
uma ogiva termonuclear
cogumelo atômico
atormentando o micro
e o macro de nossa
agitada jornada
trilhada em meio
aos escombros
canhestramente dispostos
às margens dessa estrada
faminta e incinerada