Três poemas de Douglas Laurindo
Douglas Laurindo. Mora em Manaus. Graduando em Letras – Língua e Literatura Portuguesa (UFAM). Além de atuar como professor, é pesquisador no âmbito literário. Escreve contos e poemas.
***
Corpo
O corpo mutilado é
aquele que perde o riso,
o remexo, o eixo.
É toda violação
que Esmael
e Paulete sofrem
sobre sua pele
e seu modo
de ser.
É o eu rasgado,
usurpado, renegado,
arrancado, lentamente,
pelas intuições
macabras e de poder,
cuja estrutura hegemônica
cis-normativa invalida a estética
de Joana e Ramona.
É todo discurso hediondo
e de desumanização
que sobre a bicha
despeja em despeito a uma
munheca abaixada e voz afinada
todo o ódio em decomposição.
É todo corpo que perde não
o membro, mas parcela
de humanidade.
É o corpo sagrado passando
do altar ao estábulo.
É o mesmo corpo de Jesus Cristo?
talvez não,
porque Dandara
apedrejada,
morta
e filmada
não reverberou tanta comoção,
embora
entre pedras e detritos se desfizesse
um outro eu punido.
É talvez todo corpo que foi, é e será
subjugado e reduzido a isto,
o meu que, dada a manobra do acaso,
amanhã, peço a deus, não seja como
o de Itaberli carbonizado.
O corpo é anagrama de porco
sou, por isso, passível de tanta
morte?
*
Acrobacia
Minha língua é trapézio
De que salta a palavra afiada.
Rejeita a sandice, vestida de medo,
E dá espaço ao pulo linguístico certeiro.
Não se acomoda ao ombro do interdito:
Prefere o dito nu ao não dito de lã.
Contrária a toda linguagem, causa,
Eco antiliberais, acerta no pulo:
Usa-me ou entalo-te.
*
Pero vaz da língua
Entre as pernas do homem, há origem de um continente.
Nele, marés e ondas de saliva em boca levam, afônico, o ser
De um cais-testículo a uma ilha de extensão vertical e rígida.
Ela pulsa, mas só sobrevive quando o céu da boca, encharcado,
Atinge a superfície de sua terra brasílica e rega a vegetação-glande.
É a exceção de toda invasão: esta, não matando, implora e pede.
Quando a navegante-língua desbrava a extensão do mundo, sente,
Estática, que daquela seringueira não deve extrair o látex na tigela.
Português, pois, revertida, fecha-se no navio e parte até outras índias.