Três poemas de Flávia Montovani
Flávia Mantovani é professora de História, mestra/UEL em História Social e doutoranda/Unesp também em História onde pesquisa Cassandra Rios, a “escritora mais proibida do Brasil”. Vencedora do prêmio Unesp “ Para não esquecer: literatura da pandemia” na categoria crônica. Interessada nas questões de gênero, sexualidade e um pouquinho de literatura.
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aquele velho plano de largar tudo e ler clarice, fazer uma oficina que ensina escrever
deixar que aconteça a erupção da palavra
pescoço firme que passa choro passa tudo passa lembrança esquecida passa
quando eu nascer… Ai!
quando eu nascer!
eu vou me gestando:
mas não é fácil parir pela garganta.
*
pq escrever
sem elaboradas respostas para clássicas perguntas
sentir dores da boca pra dentro e imaginar mundos dos olhos pra fora, duas coisas que faço muito bem
já saber pq escrevo, nem
bárbara sem muito latim pra gastar imito outras
é pq estou viva, ou pra saber que estou minha escrita, meu oráculo
bússola no peito coceira na nuca
fora da gaiola é que as palavras me encontram
lá onde conto a história do contra para ocupar um lugar no mundo é urgente não desperdiçar a caneta
com a ponta dela tocar onde incomoda íntima ferida crua
qualquer poema vale um pouco quando aborrece os
homens com poder
o poema é tempo de pirar de amar
e outras heresias
escrevo pq o silêncio é um pouco como água tem vezes rompe e não estanca
*
e a água
é o vinho antes do milagre
dizem que o feminismo é fascista que se deve livrar machista
que a licença pra falar dá liberdade pra atacar.
é complicado calar
é complicado apanhar
e a sociedade, tá sussu? um tapa ainda dói
no corpo
na alma
e de qualquer perspectiva.