Três poemas de Gabriel Zupiroli
Gabriel Zupiroli é formado em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Campinas, onde atualmente estuda Filosofia. Escreve sobre cinema para o portal Plano Crítico e edita a Revista Balbucio. Nos tempos livres, produz um pouco de literatura.
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a fotografia
pelo seis de janeiro de sessenta e quatro
o casal desce pela rua
emaranhado
gasta a fechadura e
as dobradiças correm os dois
envoltos em amor e tédio
em moral e súplica e devoção
ele escondido
sob nobre simples paletó abraça
a dama que rodopia
na mureta acidentada efêmera sob o sol
de janeiro de sessenta e quatro
vão os amantes
equilibrando a tensão e a carga elétrica
ela devota de nossa senhora
ele de Liggett e Myers
sem filtros
com o olhar sereno sob as severas sobrancelhas acinzentadas
e no auge do universo
a uma decisão de tornar-se uno ou rompimento
surge voraz eis
o fotógrafo
embaixo da pele dura e descascada posa
o velho homem ereto dois metros
severo e simples ao lado
da Aparecida
vi bater um vento e levar
embora as cinzas do cigarro
e agora guardo
na memória a história eterna do casal ausente
que ia errando
pela baixa
*
anastasia
não há mais volta
não não se volta
não há o retorno que entorna
assim tudo fica
informe-uniforme
sabe que vejo a luz
sabe que vejo a luz do sol
da tarde que entra que cobre
plantas e folhas de caderno
tento capturá-la e… é nulo
o som do pianinho acompanha
deformado minha cabeça é leve
embebida pelo sono
gostoso do gato
elipse é um assassinato
um assassinato inteligente
elipse não é eclipse
que circunda
sentenças e predicados sem argumentos
não me retornam para o
que um dia foi
vem cá, gatinho
depois de te acariciar
vou fechar a janela
e dormir um pouco
*
plano cartesiano
não há projeto
ficções entrelaçadas a fantasias
estão expulsas deste paraíso
o panteão da folha de papel que está
aberto unicamente à verdade mas ela
existe?
o problema segue seu fluxo
mais abaixo porque não se trata
unicamente do vivo
do verde amarelo abacaxi pulsante
a questão é que não há
projeto suficiente
(suficiente? não estaria dando margem a todo mundo?)
não vale a pena versar ou
versificar mas mesmo a negação
latente já entrega minha condição
– de animal estragado
– de sujeito desejante
daquele mentiroso que se camufla sob
o manto da lua com medo
da sua própria criação
não haver não passa de
uma fuga atormentada
sob a luz daquele que olha absoluto
existe projeto?
não poético, digo eu
estou cansado de andar na contramão do espaço