Três poemas de Íris Ladislau
Íris Ladislau (1994, MG) é escritora, editora e autora dos livros O silêncio cresce: um interlúdio (publicação independente), Réquiem ou O sopro de Vênus (Urutau), Eu não sou a protetora das coisas frágeis (Penalux) e Memória Jovem: livro de memórias da Moradia Universitária da UFMG (Margem).
***
Sumo (o fruto proibido)
Noite do tempo
florescer escuro
e enigmático
Estrelas singelas
luzeiros fagueiros
A carne corada
o impulso de conhecer o outro lado
das palavras
impulso eterno
insaciável
Fruta madura
que nunca apodrece
Fruta que floresce
na noite escura
Linha púrpura
endurecida no horizonte
Quando você quiser quando você quiser quando
você quiser quando você quiser
mesmo se tiver
nunca vai deixar de querer
Eterna noite do tempo
absorvendo o enigma
que se intrinca a cada
pedaço desvendado
o laço não desata
Somos nós bem amarrados.
*
Voz interior (anti-Penélope)
É um véu fino
tênue lacre
que mesmo rompido
deixa um fantasma
tão presente
quanto ele mesmo
talvez até mais sólido
mais palpável
mais real
Cada cravada
para rasgar o véu
é um não plantado
em forma de mitos
que desabrocha em sangue
e vai secando
para se derramar
de outras formas
Uma invasão iconoclasta
violenta mesmo quando lenta
Colher cada lenda
– cada lengalenga –
enxertá-las em cada cravada
que faz cada não ensinado
se descosturar em um sim na boca
se dissolver na língua
misturar-se à saliva
Mastigar o não
até lágrimas salgarem a face
como cera de vela
que se derrete quando arde
goteja no véu
e o faz pegar fogo
E a cada vez que ele
costura-se novamente
é para tecer o não ecoante
que só ganha sentido
ao se desfiar em um sim
na boca que não ouve
a não ser a si mesma.
*
Altar (sob influência de um ponto cego)
Espelho d’água
também vi o reflexo
O lado que só mostra o melhor
Mas é só o melhor que eu quero
Sala de espelhos
sinto dor nos joelhos
Sala de ilusões
eu sei onde me cega
Espelho d’água que reflete
tanta luz nos teus olhos
quando você cai na água
eu me molho
mas tudo bem
Vou ficar
enquanto eu puder ver
os reflexos
No entanto
quando você emergir
e seus olhos tocarem os meus
será o momento de dizer adeus.