Três poemas de Mariana Mello
Mariana Mello é jornalista na Justiça Federal do Rio de Janeiro, atriz e mestranda em Dança na Faculdade Angel Vianna/RJ. Pesquisa questões ligadas ao corpo, arte e subjetivação, com atravessamentos de gênero e sexualidade. Os poemas integram o livro “Boneca Overdose”, publicado este ano pela Editora Urutau.
***
medeia
o choro o grito?
olha quem veio te visitar
não quero ver ninguém
mas sou a que incendeia Corinto
a que cozinha seus descendentes
a própria
uma medeia
cunhadas e bibelôs inúteis
os ossos infinitos crescendo pelas paredes
como hera velha seca
suas unhas as unhas sobre mim
trovões pendurados no teto
elas gritam
elas têm algo a dizer
a língua para fora o pão
a salvação fantástica
sou seu amuleto da sorte
o bebê passa de mão em mão
o novilho de ouro
o prêmio a ser repartido
nada o comove
nem por ser a couraça que salvará seu povo
o bebê mudo é uma lagarta incompleta
simbiose de seda e céu em tempestade
agora se purifica do meu veneno
sim
não fui uma mãe zelosa
as flores respiram todo o ar do quarto
o lençol rosa me enjoa canja e
mamão picado
leite de sangue é o alimento da barbárie
eu tenho uma casa novinha em folha
porque tudo é simples para quem tem dois filhos
você é adaptável
não
não sou mais a sereia que fareja navios
para empilhar homens
deveria estar sobre a pedra
vendo as ondas baterem sobre mim
imperturbável fixa até boba
a concha com sua pérola ancestral
tecendo
*
melancolia com geleias — 2
a melancolia corrói tudo pela frente
meu silêncio pensativo que amedronta
as roupas bem passadas
olhando esse espelho miúdo
meus sapatos tão femininos
tão estupidamente doces e felizes
esse perfume esse perfume
esse cheiro de esterilização cirúrgica
a melancolia corrói a fortuna que
ainda devo ao banco
corrói seus olhos de amor
você me quer pura pura
um anjo de gesso pendurado na parede
ninguém vivo ou morto venceu a melancolia
nem o equilibrista que escorregou da corda
e morreu abraçado ao chão
esmagado pelos 200 metros
todos ficaram atentos a essa distância ridícula
entre a vida e a morte
como mostraram na TV
ninguém pode contra a melancolia
nem a mulher que se deitou para fora da janela
e
na queda
sua crosta se repartiu em mil fraturas cósmicas
e sentimentais
nenhuma cola seria capaz de restabelecê-la
nem o amor
o mundo é brutal
mesmo que sua alma já esteja distante
ou morta
ninguém pode contra o mundo
pode?
por que os anjos ainda choram cristos condenados?
*
princesa suicida
essa efígie não me inquieta mais
nem move a piedade
ou levanta lascas da minha pele
favo escaldado à frieza de uma lâmina
tenho várias em casa
lâminas já cintilaram um céu desabando
alvorecer vivo sob nervura coagulada
aqui
tenho quatro cicatrizes
para depois a carne paralítica aspirar
o ar de bolsas de ferro
corrente de instantes eclipsados
você lâmina esponjosa
fala errado
fala feio
FALA
sua culpa é circunstancial?
mas você não me penetra mais
nem sua boca
nem seu pau
o mesmo que te coloca ereto
vou mastigar seus olhos seu puto
vou comer você vivo
até virar sonho estendido
seco sob o sol
e eu
esfinge