Três poemas de Mariana Varela
Mariana Varela é poeta e socióloga. Publicou Enigmas de Jaguar e Jasmim, em 2020, pela editora Urutau. Vive actualmente em Lisboa.
***
Ouronomachia
Na noite indesejada,
passa de novo por mim a serpente
Há anos sei que vem
e em silêncio vejo-a passar.
Tudo que passa traz a mensagem
maior que sua superficial imagem.
São símbolos,
minerais fundamentais da vertigem
venenos que convocam a maré cheia.
Aberta, o rio me atravessa
deserta, o rio me envenena.
O fogo flecha o signo
e me transporta à origem
da sua imagem mediada:
Tudo é mais que nome
tudo é mais que imagem.
Tudo é símbolo
tudo é viagem.
*
Mínimo Vasto
Dentro do olho mágico
a tua casa quase inteira.
E a roda da carroça que contém em si
a magia da velocidade.
Meus olhos contém o mundo, quando abertos
e fechados insinuam ainda
surrealistas composições.
Na seda em que me deito
está o bicho
está a China
está a Pérsia
Adoráveis folhas e sementes
de papoulas.
No chip que carrego está também
a mão de obra chinesa
vietnamita, talvez, mais barata
a tecnologia alemã
– Toda a divisão internacional do trabalho.
Sim, quando toco tua mão
também posso sentir
Astros, planetas,
constelações dominicais
O mesmo incêndio permanente
dos signos cardinais.
Sim, não é preciso viajar
para conhecer os mares
Vales, montes e lagos
– nada disso preciso.
Cada coisa contém em si
outros mosaicos
E nada está só
nem sozinho é forjado.
Recolho-me,
contente em saber
que a mais pequena fechadura
contém em si
a composição mais mínima e perfeita
da abertura.
*
Imagem e parte
Você me diz – imagem
Eu tropeço no sol,
verdadeira miragem.
Você me diz – máquina
Eu rejeito
E com o tempo planto
– maracujás e larvas
Você me diz – pedra
Eu revolvo o âmago
Cato a pedra e quero
quebrar a máquina.
Você me diz – pássaro
E lamenta um canto agudo
de um rio esquecido
na Amazônia.
Cavo um buraco
em cada palavra
que me dizes
Buscando tirar delas
seu sangue-fato
Mas fracasso.
Caio de novo
no papel em branco
Imagem – Máquina
Pedra – Pássaro
Lembro de cada coisa
Sua infinita dor
E parto.
*
Artimanha
Aberta, a fresta deixa escapar
o salto do gato sedento.
A língua bebe a água
a água engole a língua.
Especialista da sede
a língua exalta as frestas
abertas pela palavra.
Palavra-maga
fresta aberta.
Água, língua
porta, gato.
Em toda fresta
um salto