Três poemas de Martina Davidson
Martina Davidson, autorx de “Declararam Guerra Contra Ilha sapatão” da editora Ape’ku. Lésbica, não-binárie, argentina-brasileira. Anarquista e militante em prol da libertação animal. A poesia é o lugar onde me encontro.
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Pertencer
Sinto o cheiro de mel
nos seus pelos
Mergulhamos no momento
nos conectamos sem fios
Alguns olhares são indomesticável
revolucionam as perspectivas
Enquanto uma folha dança até a ponta do seu corpo
você a agradece
pelo prazer
de conhecê-la
Ali
juntas
não pertencemos a ninguém
nem a nós mesmas
Pertencer nunca esteve
no seu vocabulário
*
Pão Doce
Ela tem cheiro de pão doce
com açúcar queimado
carrega nos seus lábios o fogo
que transforma massa em carvão
É seu primeiro encontro
com um menino mais velho
de olhos mentolados
que fazem minha garganta arder
só de olhá-los
Ela experimenta a blusa
um concurso de beleza entre tecidos
pra descobrir qual vai ter
o privilégio de tocá-la
de ser tocada
por novas intenções
Uma luz na janela
de um espelho saindo
do quarto do lado
são os amigos do irmão dela
tentando ver o que ela prometeu
pra outra pessoa
Você não tá com raiva? Querem nos ver peladas
Toco as bordas do meu short
um jeans longo como o verão
penso
eles não querem me ver
não quero que me vejam
quero é sentir o gosto da padaria
que você carrega na sua voz
*
O jogo da vez é
Mandam eu ir ferver uma panela com água
mas eu só consigo pensar
na formiga que mordeu
a sola do meu pé
A inquietude
coça
Minha vó tá de mau humor
joga água fervida em cima dos copos
que um amigo do meu primo usou
menina, fica longe daquela
bicha
Eu fico pensando
que existe
no mundo
um inseto
que carrega
um pedaço meu
dentro da boca
É verão e o jogo da vez
é
quem aguenta mais tempo debaixo d’água
brincar sozinha é um costume
de ser filha única
Mamãe e papai brigam
alto
como o tpo de uma picada
a minha vó cozinha macarrão
corta os spaghetti na metade
Um dois três
e a água penetra no meu maiô
quatro cinco seis
já não escuto os gritos da mamãe
sete oito nove
dez
onze
doze
treze
Ele se aproxima de mim
segurando um copo
que vai ser fervido
pergunta minha idade
o que quero ser quando eu crescer
porque eu coço tanto
minha sola do pé
Bicha é o único
que escuta meu silêncio
e enquanto ele me abraça
eu não percebo
que ele tem superpoderes
porque ele,
como eu,
joga para ver
quanto tempo consegue existir sem respirar
Marly de Souza
Boa noite!
gostaria de participar das publicações.
como posso fazer?
Atenciosamente,
Marly de souza