Três poemas de Milena Velloso
Milena Velloso (2001) nasceu no Rio de Janeiro. Poeta, social media, artista visual e editora, é graduada em Letras e mestranda em Literatura Brasileira na UFRJ. Faz parte do editorial da Revista Intransitiva.
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sábado
Oxum ainda não foi embora
se vê pois ora alguém — eu —
se voluntariou a dar pão com manteiga
de comer aos patos daquele lago verde.
Me recordo dos peixes, escrotamente famintos,
que devoraram o que sobrou de Ulisses,
sozinhos
isso é um poema de amor.
três modos que consultei um oráculo
de forma completamente inconveniente afinal
nem tudo pede permissão
e há coisas que se escolhem
como já dizia o Italo
quando aqui não se escolhe nada:
um tabuleiro de xadrez
onde o todo quase é previsível
onde se sabe o que fazer mas
foi preciso confessar ao oponente ei
eu não queria jogar
só sentar com você em silêncio
um baralho de tarot
o adormecer em cima
coincidentemente ou não sonhar
turvo uma grande briga
acordar com a roda da fortuna roçando
no meu braço como quem diz:
é, faz calor na zona norte em julho
e tudo é presságio de erro
descansa
por último um quadro
gosto da incoerência das pinturas de natureza-morta
em inglês são traduzidas como
“still life”
ainda há vida
talvez isso baste
relógio de sol
o Brasil inteiro adiando uma revolução
quinhentos anos
lutar dá trabalho e
queremos férias desde sempre
a água presa numa pedra
sem datação
mina no interior de Goiânia ou
Bangu 2
a árvore da esquina
cento e três anos
seus retalhos de tricô feitos por idosas
diferentes idades
sozinhas ou
junto dos netos
seis a dez anos
a pipa do moleque no Jacarezinho
dançando no azul caribe
assassinando sua semelhante com cerol
dez segundos ou
até que a PM os separe
tua mãe digitando
bom dia ou
reclamando da toalha molhada que tu deixou em cima da cama hoje de manhã
quarenta e um segundos
exatos
a garota levantando rápido da cama
dela — não da tua molhada da toalha
precisando de uma
caneta preta-pressão-baixou
oito segundos zonza
chutando
o fígado do Kerouac
morrendo e pifando e
lutando — diferentemente dos brasileiros
30 anos consecutivos
a célula da medula óssea
sempre velha-nova
não se regenerando nunca ou
a dos lábios que
por sua vez
vai perdendo beijos a cada
seis meses
meu calo de escrita
dezesseis anos
eu escrevendo o mesmo poema
cinco dias
o mesmo poema me escrevendo
vinte e um anos
o poema se escrevendo
não contei
eu
até