Três poemas de Paola Schroeder
Paola Schroeder nasceu em Toledo, Paraná. Designer de interiores, poeta, artista e graduanda de Filosofia na UNIOESTE, Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Participou da plaquete Tanto mar sem céu (Lumme Editor, 2017), da antologia No meio do fim do mundo (Elã, 2022) e tem seus poemas publicados em várias revistas literárias e jornal de literatura. Recentemente lançou seu primeiro livro de poesia pela editora Patuá, À Beira da Palavra, que pode ser adquirido neste link: clique aqui.
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Crua, gênese da minha existência.
Universo em âmbar.
Pássaro carcomido por estrelas.
Nunca se é sábio por inteiro.
Os anos copulam suas arestas.
Mãos pálidas e insossas,
vestígios da fome.
Torna o que é profundo.
Livre em águas
as asas de uma sereia.
Para quando voltares,
a vida que não compreendo
e a palavra estagnada na garganta.
II
Antes da fala,
a mulher.
Antes da palavra,
a imagem.
No início do verbo,
Seu corpo.
No fim da boca,
sua boca.
Mulheres de água
em dissolução.
*
Além-mar
“ninguém invoca o nosso pó.
Ninguém”.
Paul Celan
I
Talharam na água a lembrança da terra.
Vieram se espremendo na proa,
abraçando um imaginário de cores.
Do outro lado do rio há vida.
Ir além e adentrar o mar.
Suspiro vertendo dos olhos.
Da origem desse mundo
toda fuga é ceifada.
Não para quem parte,
mas para quem desembarca.
Todos os outros ficam no caminho.
II
A ideia de pátria se dissolve
na carne cortada pelo frio.
O beijo do menino é levado pelas ondas
e amanhece cravado na areia.
Seu corpo sem vida.
III
Ainda que não creiam
os motores balançam a água.
No desespero todo caminho é seguro.
Tantas vezes vencida a morte resta o ar.
A vida pulsa, não importa se entre muros.
IV
Mesmo a comoção que não é ínfima
deixa-se ser filtrada pelo tempo.
Mas o beijo, a areia, o corpo.
Esses resistem.
*
Silente – all of me
I
Nunca saberemos quando
nos colocarão em cárceres:
nossas próprias palavras.
Como sempre o silêncio.
Faminta como também
o silêncio do outro.
Pela tua pele o oceano doce
que naveguei com os dedos,
as pernas e a língua.
Hoje penso em meus ossos,
e o movimento infindo
que não te alcança.
II
“Minha fome é matéria que você não alcança.”
Maria Bethânia
Meu mito de Sísifo
desfeito na delicadeza
das covas do teu sorriso.
Cortázar disse uma vez:
Não podemos escolher a chuva.
Bastou um sorriso
e meu avesso derrubou
todas as constelações.
Desdobrei
fibra por fibra
meu coração.
Como pó
me senti só
entre as palavras.
Na ânsia
eu não soube
tecer desejos,
fazer os pontos certos
que um dia serviriam
de rede ao teu afeto.
III
Mas de sobreaviso lhe digo:
Levo um pássaro na boca,
pois acredito na viagem.
Em tempo reafirmo
que me doo
para que meu ser
te sirva de refúgio
E quando me procurares,
e somente neste momento.
A língua dará vida ao pássaro
que junto das tuas pétalas
encontrará a primavera.