Três poemas de Patrícia Lavelle
Patrícia Lavelle é professora do Departamento de Letras da PUC-RJ. Doutora em filosofia pela EHESS de Paris, onde morou entre 1999 e 2014, tem ensaios publicados na França e no Brasil. Como poeta, publicou Migalhas metacríticas (7Letras, Megamíni, 2017), Bye bye Babel (7Letras, 2018, primeira menção honrosa no Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 2016) e organizou com Paulo Henriques Britto O Nervo do poema. Antologia para Orides Fontela (Relicário, 2018).
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I
A beira do mar informe,
penso seres polimorfos:
peixes tão grandes que são
eles mesmos
redes enormes
II
Pesco,
logos
sou
[de Migalhas metacríticas (Megamíni, 7Letras, 2017)]
*
Palavra estrangeira
Entre palavras e coisas,
há sempre alguma distância:
na palavra, a coisa é outra
na coisa, a palavra nem é.
Mas essa coisa sonora,
que a palavra é também,
é uma forma de armadilha
pra pegar uma outra coisa.
Presa em palavra estrangeira,
uma coisa é ainda mais outra
menos diversa dela mesma
que do meu próprio silêncio.
Mas a palavra estrangeira
que tardiamente apreendi
em prévia palavra estrangeira
torna-se coisa ainda mais diversa
prendendo-me assim à primeira.
Coisa apreendida no tempo,
toda palavra é armadilha
onde eu, ela ou isto
(a coisa pensante = X)
capturada, captura-se:
toda palavra é estrangeira.
[de Bye bye Babel (7Letras, 2018)]
*
O eu e eu
Nem é preciso dizer
você já sabe: eu
sou
o sujeito aqui
desse enunciado.
Estou entretanto
fora dele
e de fora
o observo
espantada.
Pra falar do eu
(que seja o meu
ou o seu –
esse que em todos fala)
substantivo-me
masculina
num passe de mágica;
traumática, sequer,
a operação gramática
em todo caso
não doeu.
Aos trancos e barrancos
entre cacos
estilhaços
seguimos lado a lado:
o eu
homem de palavra
e eu
que sempre
de um passo
o ultrapasso.
[de O Nervo do poema – Antologia para Orides Fontela (Relicário, 2018)]