Três poemas de Rosane Cordeiro
Rosane Cordeiro (da Silva) nasceu em Florianópolis. O encantamento pela escrita autoral e criativa levou-a a se afastar da vida acadêmica para se debruçar em versos e prosas. Publicou os livros Teatro do Cotidiano (2014), De choros e velas: o feminino em verso e prosa (2018), O amor não cabe no peito (2019), Além do portão e outras crônicas (2021), (In)verso (2022) e Entre nós (2023), este em coautoria com Maria Agostini Mello. É uma mulher inconformada com o país que se desenha neste século e, por isso, escreve, para resistir e enxergar muito além dela mesma.
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sou útero
que se abre
e fecha
que acolhe
mas expele
sou útero
o sagrado
o profano
a vida
o feminino
sou útero
subo
desço
sou caminho
sou útero
intuição
misticismo
criação
*
mãe é enciclopédia
escrita em versos
educa com ternura
conduz sem aprisionar
mãe é abreviatura
pra que grito de filho
chegue mais rápido
e se prolongue:
mãeeeeeeeee
mãe é útero
é lar que abriga
que compartilha
que acolhe
mãe é árvore de frutos doces
é rio no azul de outono
a receber raios de sol
é terra fértil
a brotar esperança
mãe, mamãe
é combinação de ritmos
é ternura de Pixinguinha
invadindo a alma
a abençoar
*
Esqueceram de nos contar..
Quando crianças nos deram bonecas para cuidar
Fomos crescendo e nos colocaram em pias e tanques
E não demorou muito para sonharmos em ser susis e barbies,
ou cinderelas a procura de um príncipe.
Esqueceram de nos contar que a maternidade é dor, sempre.
Esqueceram de nos contar das muitas violências internas e externas pelas quais passamos ao nos tornar mulheres, ao nos tornar mães
E ao invés de nos dizerem para gritar, nos disseram para calar
Muito feio mulher escandalosa! – dizia minha mãe
E eu não fui escandalosa
E sofri
E tive medo de morrer
E tive medo de perder meu filho
Esqueceram de nos contar…
Que a gente perde mais do que ganha
Que a felicidade não é uma constância
Que se a vida é uma escola, deveria haver escolha
Que um tropeço nem sempre ensina
Esqueceram de nos contar…
Que o véu, o vestido, a aliança
podem ser pedras disfarçadas
Porque não há amor ao outro sem amor-próprio
Não nos ensinaram a nos amar
Porque não há liberdade na prisão
Porque não se constrói nada sem respeito.
Esqueceram de nos contar…
Que nosso útero e ovários não são propriedades alheias
Que nosso corpo nos pertence
E também esquecemos de contar…
E um ciclo se mantém